ÉTICA: QUE DANADO É ISSO?

Consta nos livros e dicionários que a ética é o estudo dos juízos de apreciação que se referem à conduta humana suscetível de qualificação do ponto-de-vista do bem e do mal; ciência da moral, isto é, de uma esfera do comportamento humano, teoria ou ciência do comportamento moral dos homens em sociedade.

O ético transforma-se assim numa espécie de legislador do comportamento moral dos indivíduos ou da comunidade. Sua função é explicar, esclarecer ou investigar determinada realidade, elaborando conceitos correspondentes.

Vejamos:

Quando se manifestam doenças e epidemias, começamos a nos preocupar mais com a saúde. O mesmo acontece com as doenças sociais e culturais. Diariamente somos confrontados com escândalos, roubos, marajás, abusos de poder, crimes, violências, salários mal pagos, explorações nos alugueis, políticos corruptos, e mil outras fraudes e desmandos. Tudo isto manifesta que nossa convivência está gasta, viciada e doente. Espontaneamente nasce a pergunta: existe remédio, ou teremos que conviver necessariamente com tal situação, que se espalha como epidemia por toda a sociedade brasileira?

Esta situação nos leva a uma reflexão antiga, mas sempre atual, que pergunta pelos valores da sociedade em que vivemos, e nos lembra a questão da ética e da moral. Sem dúvida podemos afirmar que a nossa sociedade está eticamente doente e necessita de um remédio vigoroso para se curar. Mas, quando alguém começa a falar em ética e moral, imaginamos logo um cara chato que pretende moralizar ou limitar nossas liberdades. Bem entendido, porém, moral não é nada disto. A moral não se deve entender a partir de proibições, mas como facilitadora e libertadora da vida pessoal e da convivência humana.

Ninguém poderá negar que o homem é um ser capaz de praticar o bem e o mal. Uns dizem que o ser humano é bom por natureza, outros afirmam que, por natureza, busca destruir os seus semelhantes. Diante desta realidade incerta do homem, é preciso se prevenir, impedindo que o mal supere sempre o bem. Diante do possível mal que indivíduos ou grupos possam praticar, prejudicando os outros, as comunidades convencionalmente estabelecem normas e leis que garantam a convivência harmoniosa. A moral pública nasce destas convenções. A própria sociedade, através da educação e das sanções, induz os indivíduos a se conformarem com tais normas, para que a convivência comunitária seja mais fácil e humana. Tais normas morais ensinam, por exemplo, a respeitar a vida, ser justo, ser honesto, ser leal, dizer a verdade, respeitar as leis, praticar a solidariedade, etc... Imaginem uma sociedade em que isto fosse assumido pelos cidadãos! Em tal sociedade não teríamos homicidas, assaltantes, sequestradores, ladrões, mentirosos, exploradores, agiotas, corruptos. Para que isto acontecesse, bastaria que cada indivíduo assumisse uma postura ética de seriedade na vida, de respeito aos outros. Mas aí está, justamente, o problema.

Tomando como base a sociedade brasileira, o que fez com que chegássemos a esta desgraça moral, a ponto de, a toda hora, estarmos em perigo de sermos assaltados, explorados, enganados, mal atendido nas repartições...?

A nosso ver, para compreender esta situação é necessário analisar nossa história. Mal se foram 100 anos desde a abolição da escravatura. Muitos dos que hoje possuem grandes fortunas no País as herdaram dos seus antepassados, que foram escravocratas, e conseguiram a sua fortuna da monstruosidade praticada na exploração da mão-de-obra escrava. Poucos destes herdeiros afortunados possuem sensibilidade social. Por isto continuam explorando os cidadãos. E, muitas vezes, estas elites fornecem as lideranças políticas que alienam o povo e o exploram. Para eles tanto faz que o povo se dane. A ideologia política capitalista que nos governa tem suas raízes nesta situação de exploração do passado. Os antigos escravos, e seus descendentes, nunca foram indenizados pelo sangue e suor derramados. Os "marajás" e todos os corruptos deste País se colocam perfeitamente neste passado pouco humano da nossa história.

Em consequência desta história do passado, e da política que se articula nos mesmos moldes, grande parte do povo brasileiro não possui condições econômicas e culturais para levar uma vida digna. Por uma simples questão humanitária, todos possuem o direito a uma moradia digna, à alimentação saudável, a um trabalho dignamente remunerado, à educação, à saúde... Quando, porém, alguém se preocupou seriamente com isto? Muitas medidas políticas, mesmo de hoje, são puro paliativo. O único sentido dos políticos seria a realização destas exigências básicas. Será que chegaremos lá?

Para que um povo possa viver eticamente é preciso que suas elites sejam éticas, dêem o exemplo. Mas, será isto possível num País em que os mais afortunados adquiriram o seu poder pela injustiça? É preciso ajudar a estes "monstros" a se tornarem humanos. Falar em falta de ética no Brasil, sem que se reoriente a política social e econômica, tirando-a das mãos dos que na sua raiz estão podres, de nada adianta. Ética e, consequentemente, vida humana saudável, somente existirão quando os cidadãos de um determinado País tiverem condições humanas de viverem, de se alimentarem material e espiritualmente. Por isto a ética, ou a falta de ética, não está primordialmente nos indivíduos, mas nas estruturas responsáveis por tudo que aí está. Já que de cima pouco podemos esperar, é urgente que a reação cresça nas bases, não aceitando mais que a falta de ética de cima dificulte a conviência cidadã digna nas bases. Políticos de "ficha limpa" talvez saibam construir um país mais justo.

Inácio Strieder é professor de filosofia - Recife/PE