Resposta ao governo de Camaçari/BA

Resposta ao convite recebido para o "2º seminário institucional de políticas públicas de juventude", realizado pela Prefeitura de Camaçari/BA:

Pessoal,

Permitam-me uma reflexão...

Sou um cidadão camaçariense extremamente participante da vida política de minha cidade. Já fui mais, confesso, mas as ranhuras deixadas por aqueles que apenas observam o próprio umbigo, me tem deixado bastante escaldado. Há sempre um interesse, não é verdade?

Muitos de vocês certamente já ouviram falar de “Caio Cultura”, ou “Formado Crente”. Esse amigo que hora vos escreve, sente-se bastante cansado de termos factóides, semelhantes a este tal de “políticas públicas” para isto, para aquilo. Eu – nós – queremos a prática efetiva, o estatuto respeitado, a lei orgânica executada. Políticas e leis temos aos montes. Vamos à prática, caramba!

Perdi a conta de quantas reuniões de juventude, encontros, oficinas, OP´s (Orçamentos Participativos), convenções e reuniões partidárias já participei. Amigos, foram muitas! E continuarei participando, pois há sempre a possibilidade de um aprendizado a ser obtido, mesmo no caos. Devemos ter em mente que as grandes transformações sociais acontecem no seio da política, não podemos nos abster desse fato. Calma! Eu falei no seio da política, e não dos políticos, pessoa.

A pessoa, político, demonstra, de modo geral, salvo algumas raras exceções, um descompromisso inacreditável com a sociedade, em sua grande maioria mais carente, a qual “jurou” servir com o diploma de eleito nas mãos, mas o que vemos é a mesma ciranda de sempre: antes tudo, depois, se sobrar, as migalhas. Nossas avós já diziam: “quem jura, mente”.

Vivemos, infelizmente ainda, a política “panis et circenses”, maquiada por uma gestão de tinta e chavões de impacto. Na real, quer saber? Olhe em volta. Ha, tá, encontrou algumas benfeitorias. Eu também já tinha notado, mas pra quem mesmo? Antes que a máquina me apresente os números dos “últimos” levantamentos sócio econômicos da nossa árvore choradeira, digo que o que escrevo, nestas bem traçadas linhas, nada tem haver com a estatística oficial. Não, muito pelo contrário, tenha haver com o pé no chão, com as andanças pelas vielas e ruas cheias de lama de minha cidade, tem muito haver com o bate-papo com os amigos, conhecidos e até desconhecidos, pessoas que matam seus leões particulares diariamente para sobreviver, ao invés de viver, pois não foram convidados para o banquete anunciado de forma sensacionalista.

Eles têm fome, Governo, não só de pão, mas de acesso a uma educação de qualidade, à cultura, ao esporte, ao lazer, à saúde, à segurança. Olhem a conta: discutir políticas públicas, faltando apenas dois anos, de um mandato de oito, como diria um grande amigo meu, “ai é loucura”! Resta-me pensar, então, que estão nos preparando para os próximos seis. Quem sabe? Eita feijão com arroz danado, mas esse prato político partidário causa indigestão, prefiro o de Dona Val, minha mainha.

Meus caros, antes de me apresentarem os contra-argumentos, as “milhões” de reformas e obras realizadas, as centenas de médicos, a Cidade do Saber, os espetáculos globais, eu simplesmente te digo, isso é esmola. E o que fazem como se fora um favor, anunciado na TV como um presente, nada mais é do que uma obrigação assumida na urna. Oh! Deus! Que blasfêmia, até a Cidade do Saber premiadíssima, esse tal Cultura aponta, deveria ter poupado ao menos ela – isto estava na ponta da língua, hein? Só que em faço o caminho inverso, e pergunto o que sobrou para o restante das comunidades? Eu não tenho grana para colocar meus alunos lá dentro, tá louco! É muito caro! Ha, tem aula de graça lá... massa! Vamos mandar um salve:

Salve! Salve! Parque das Mangabas, Cordoaria, Machadinho, Cajazeiras de Abrantes, Jauá, Baratas, Monte Gordo, Parafuso, axé para os bairros da Sede, para a mãe da Cidade do Saber – coitada! –, axé, senhora Casa da Criança, que agoniza à sobra da própria cria. Vocês têm passado bem, têm pongado nesse trem da alegria? Aquele canditato(a) que ganhou o último pleito tem aparecido e apertado sua mão e o tem envolvido em seus braços? Está tudo bem, hein? Vamos lá, não tenham medo de responder, ninguém vai te machucar.

É dura a realidade pessoal. Quem se propõe a colocar o pé no chão e caminhar no real, é esmagado pelo outro lado da moeda. A distância entre o outdoor e a criança que trabalha de sol a sol, segunda a segunda, para ganhar migalhas por mês é tão imensa que causa náuseas. É duro ver tamanha discrepância entre a mídia governamental que tudo faz, que tudo discute “políticas públicas” e tantos casos de violência em nossas portas, causados por falta de oportunidade, por abandono mesmo. Pacato cidadão, olhe para o lado, caminhe e veja, saia à noite e observe o caos social que acontece nas esquinas da nossa Camaça. Ha, já ia me esquecendo... desculpem, não dá mais para caminha à noite... é verdade!

Nossa juventude carece de ações práticas. Enquanto se discute, continuamos abrindo os noticiários de nossa cidade e vemos as drogas, os tiros, as bebidas, as brigas, as mortes, até mesmo dentro das escolas.

Eu vejo vivendo, eu me revolto, eu cansei de discutir faz tempo! Conheço vocês, Governo, convidei vocês para a prática, disse que se cercassem de pessoas com conhecimento técnico e prático sobre suas pastas, de pessoas que tivessem paixão pelo gerir a coisa pública, pois sentimento é de suma importância. Quem não se comove, não move!

Política não é só pagamento de conchavos partidários. Vocês não me ouviram, ficaram distribuindo as senhas, como se o povo fosse apenas os bancos de espera, onde os eleitos sentam aguardando, entre galhofas e piadas sem graça, sua fez de entrar na comilança.

Cansei, não de ter a mente positiva, a voz ativa e o braço forte, mas de tanta conversa fiada, promessas escabrosas, interesses individuais, barganhas. Senhores, e o ser humano? Como podem falar em escambo tendo como grande sacrificado, a gente sofrida? Quero ver o tirocínio, pois as carambolas já estão mortas. A estrutura está podre por dentro, apenas as paredes são caiadas.

À sociedade, chega de bancar a coitadinha, de baixar a cabeça e utilizar as mesmas ferramentas de um poder que vocês mesmos criticam. Vocês estão se deixando levar pelo mesmo “jeitinho”, pela mesma “quebra a minha, ai, na moral”. Pior que isso, estão perpetuando essa prática maléfica que transforma as “casas do povo” em grandes mercados e oportunidades de negócio. Vamos mudar, vamos renovar, vamos transformar, pessoal. Não dá mais para aceitarmos isso. O nosso papel é o mais importante nesse processo e não é finalizado na urna, o contrário, é lá que ele começa! “Muda que quando a gente muda, o mundo muda com a gente. A gente muda o mundo na mudança da mente e quando a gente muda o mundo, ninguém manda na gente. Com a mudança de atitude, não há mal que não se mude.”1

Por fim, já que cansei mesmo, tentarei estar presente e atender ao convite. Estou casando, não louco. Todo debate é válido, mesmo àqueles os quais a prática seja relegada ao sexto plano. Como vocês me conhecem, creio que será difícil dizer: “mas nós estamos fazendo, isso vai ter desdobramentos”. Para quem quiser me dizer isso, desafio a conversamos sobre essas questões em nosso “seminário permanente e prático de ações efetivas para o combate à violência e geração de oportunidades, alegrias e esperanças para crianças e adolescentes de Camaçari” (show esse título, acabei de inventar!), que acontece todas as terça, quintas e sábados, das 18h30 às 20h30, na Rua Palmares, Parque das Mangabas. Só chamo a atenção de vocês para olharem o céu antes de ir, pois se chover, o seminário não vai ser realizado, pois o nosso auditório não é igual ao da Cidade do Saber, temos menos luxo, nosso palco é um pedaço de asfalto, a céu aberto, no meio da referida rua.

Axé, paz e luz para todos!

Abraços,

Caio Marcel Simões Souza é Administrador de Empresas, formado pela Faculdade Metropolitana de Camaçari. É formado em Capoeira Regional, pelo Grupo de Capoeira Regional Porto da Barra. Atua profissionalmente como Analista Administrativo, é professor de curso técnico, em Camaçari; responsável e mantenedor do Projeto Social Crianças Cabeludas, no bairro do Parque das Mangabas, é escritor entusiasmado, além de desenvolver fortemente ações na área de cultura popular, onde quer que a estrada empoeirada o leve.

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1 Até Quando? Autor: Gabriel Contino.