A virtude de Lula
Luiz Inácio Lula da Silva é peculiar. Não é um dentre tantos políticos profissionais que aparecem por aí, e aqui, não cabe nenhum juízo de valor, a despeito do título. Nem a ele nem aos outros. Mas é fato que ele exala distinção: variável marcante é o grau de comunicação auferido entre o homem e a população. Esse é o principal traço que o diferencia, e por uma razão simples: as pessoas o entendem. Mais que isso: se ele é mentiroso, é o melhor mentiroso do planeta. Se é sincero, tem o dom de emanar isso em suas palavras. É dizer: a população acredita em sua persona. E aqui sou generalista, não obstante os casos em que a relação de (des)crença popular referindo-se ao presidente tenha atingido níveis estratosféricos, por razão de estripulias de seu partido.
Qual é o mecanismo pelo qual opera esse carisma, é a pergunta que cabe. A maior virtude de Lula é, justamente, o seu calcanhar de Aquiles apontado por muitos: seu absenteísmo de instruir-se. O presidente não cursou faculdade, não foi contaminado pelo vírus da academia, do letramento. A despeito dos prejuízos que isso pode acarretar, o qual comentaremos adiante, a não-instrução acadêmica deu a Lula condição ímpar de comunicar-se com os brasileiros, também historicamente alijados da educação superior. Ele, ao fazer esta escolha (ou ser imposto a ela), equivale-se a milhões de brasileiros, os quais nele veêm uma representação, recheada de relações de igualdade, semi-igualdade ou similitude.
Ao comparar-se o discurso de Lula ao de outros políticos profissionais, repara-se que o presidente não utiliza palavras difíceis (ou vocábulos complexos), em contraste com a fala dos outros, os quais, para além de muitas vezes terem cursado o ensino superior, representam estratos sociais distoantes da maioria da população brasileira, e, por isso, não são canonizados para representar o ideário nacional. Ainda, Lula não tem medo de falar de forma grosseira, costumeira, tipicamente brasileira, e isso observa-se de maneira contundente em suas entrevistas, as quais permitem ao homem soltar-se mais das amarras do marketing presidencialista e eleitoral.
Com relação ao que se diz sobre as inabilidades do presidente em desempenhar função tão importante e dispendiosa, por razão de sua falta de estudos, é notável frisar que ningúem governa sozinho. O maquinário estatal disponibilizado à presidência é, pelo menos em teoria, habilitado a acessorá-lo nas diversas questões que compõem o cenário nacional (e internacional). A função do presidente é muito mais mediadora, negociadora, personificada na figura do gestor, do que técnica. Tais aptidões desenvolvem-se eficientemente no âmbito social-sindicalista o qual Lula figurou por décadas, e no campo político, por razão da fundação do PT, sob a égide do novo sindicalismo emergido na década de 70. Ora, a universidade não é a fonte de todo conhecimento, quanto mais em seara administrativa e, por fim, na Administração Pública, devido à fundamental necessidade de barganha política.
Luiz Inácio da Silva inova pelo não-fazer. Pela singularidade, dentre os políticos de repercussão nacional, de representar o povo em seus gestos, atitudes e dizeres. Talvez por isso o fenômeno do lulismo tenha alcançado o patamar que chegou hoje, graças a essa capacidade derivada da incapacidade. A despeito de posicionar-me, de forma contundente, a favor ou contra o presidente, uma coisa é certa: inaugurou-se novo paradigma na política nacional, quando esse homem subiu ao poder.