Federalismo Relativo: os Municípios Brasileiros à beira do caos
Federalismo Relativo: os Municípios Brasileiros à beira do caos
Luiz Eduardo Corrêa Lima
O Estado brasileiro é, em sua origem, um Estado Municipalista. Entretanto, a história recente do país vinha mudando essa característica, até que a Constituição Federal de 1988, pelo menos no seu texto, restituiu a condição do Município como sendo o Ente Federativo mais importante. A partir da promulgação da Carta Magna, há 20 anos atrás e que até hoje está vigente, ao menos teoricamente, o Brasil voltou às suas origens e o Município retornou ao seu lugar e reassumiu sua importância na Federação.
Infelizmente a maioria da população brasileira não sabe disso e, o que é muito pior, parece haver um grande trabalho de algumas pessoas de pouca visão ou de má índole, para que a população continue sem saber desse fato, porque assim não pode cobrar para os municípios aquilo que lhes é de direito. Parece incrível, mas é exatamente na hora das eleições municipais, que os brasileiros esquecem que estão nos municípios e ao invés de votarem visando às questões principais dos interesses municipais, acabam votando nos interesses assistenciais imediatos ou em outros interesses menos relevantes às necessidades municipais, fazendo a vontade dessas pessoas mal informadas ou mal intencionadas.
O saudoso e querido Governador André Franco Montoro não cansava de repetir: “nada acontece na União ou no Estado, pois tudo acontece no Município”. É no Município que se planta, é no Município que se colhe, é no Município que se ama, é no Município que se sofre ou que se é feliz. Em suma, é no município que se nasce, que se vive e que se morre. Só consertaremos o país se arrumarmos os mais de 5600 municípios brasileiros.
O Município é o limite geográfico, político e administrativo de cada população, consequentemente ele é o grau primário de dependência do indivíduo e da comunidade no exercício da cidadania e da vivência democrática. Sendo assim, tirar parte do Poder Político das mãos da União e do Estado, descentralizando as ações e levando este poder aos Municípios é função precípua e fundamental para o desenvolvimento social, econômico e moral do País, além de ser também o principal mecanismo para o engrandecimento de toda a nação brasileira e para a distribuição mais equitativa das riquezas. Até porque, se todos os Municípios crescessem e se desenvolvessem certamente o País todo estaria também crescendo e desenvolvendo.
A Constituição de 1988 reconheceu este fato e determinou que muitas funções, que vinham sendo geridas pela União ou pelo Estado, passassem a ser atributos dos Municípios. As ações foram descentralizadas e os Poderes locais assumiram mais autonomia política e administrativa. Os Municípios Brasileiros tiveram que acumular uma série de novos encargos administrativos, além daqueles que já possuíam e isso foi muito bom, pois esse é mesmo o ideal Municipalista. O Município tem mesmo que ser capaz de resolver, ou pelo menos tentar resolver, todos os seus problemas localmente e para tanto precisa de autonomia política e administrativa.
Porém, por outro lado, a mesma Carta Magna que atribuiu novos poderes, não pode fornecer novos recursos financeiros e assim os municípios têm mais o que fazer, porém ter menos dinheiro para cumprir as suas obrigações constitucionais. Ou seja, o que já era pouco, ficou menor ainda e se há muito trabalho a fazer, há pouco dinheiro para permitir a realização do trabalho que precisa ser feito. Desta maneira, a autonomia política e administrativa acaba não existindo porque não há recursos para cumprir as obrigações.
O Governo Federal Brasileiro Democrático, estabelecido após a Ditadura Militar há quase 25 anos, vive falando, apenas falando, da necessidade de uma série de reformas. Dentre essas, virou moda, principalmente, falar na Reforma Tributária, a qual, aliás, há muito tempo faz-se necessária, mas até hoje é só falácia, pois nada efetivamente aconteceu. Aliás, porque o próprio Governo não se manifestou seriamente sobre o assunto? Porque, como disse o próprio Presidente atual, “tem que cortar na própria carne”. Mas, não vamos discutir isso, pois não vem ao caso no momento.
Pois então, a Reforma Tributária que visa melhor distribuir o bolo tributário entre os Entes Federativos do País não é somente um bom negócio, mas uma necessidade aos municípios brasileiros. Numa definição objetiva, a reforma Tributária visa cobrar, da maneira mais correta, justa e precisa os tributos e, posteriormente, distribuí-los aos Entes Federativos dentro de proporções coerentes, que permitam a todos esses entes, desenvolverem a capacidade de solucionar os seus problemas, administrando e cumprindo suas obrigações. Mas, a questão maior reside exatamente nesse ponto. Como dividir corretamente o bolo?
Se o bolo aumentar, efetivamente, poderá haver nova divisão, porém para que o bolo aumente, o contribuinte, já tão sofrido, terá que sofrer muito mais e quem sabe não aguente de tanto sofrimento. Por outro lado, se o bolo continuar do mesmo tamanho, ninguém, a princípio, vai ganhar absolutamente mais nada, a não ser que seja pensada e realizada uma nova forma de divisão e distribuição do bolo. Até porque, não dá para fazer milagres e multiplicar os recursos a partir do nada.
Entretanto, a União que já é a dona da maior parte do bolo, cada vez é mais voraz e incansável na sua necessidade de recursos financeiros, os quais sempre estão faltando e assim, ela quer mais. Os Estados, por sua vez, também querem mais e não abrem mão daquilo que entendem que é seu direito. E os Municípios não só querem, eles precisam e têm que ter muito mais, pois do contrário muitos se extinguirão. É bom lembrar que já existe uma enorme fila de municípios falidos nesse país. O contribuinte, por sua vez, não quer, não pode, não deve e não tem que pagar mais nada a ninguém. Aqui, é bom a gente lembrar, que o Brasil é o campeão em cobrança de impostos nas Américas e um dos maiores cobradores do mundo. Coitado do contribuinte.
Em suma, como fazer a mágica de dar mais para todo mundo, a partir de algo que já é pequeno para todos, sem tirar mais nada de ninguém? Na verdade, só há uma solução, que é aquela já citada, ou seja, a melhor adequação na distribuição do bolo. Para tanto, o “grande comilão”, a União, deveria fazer um regime efetivo, para não matar seus “filhos”, os Estados, e “netos”, os Municípios, de inanição. Mas, obviamente, a União não quer fazer esse regime, porque o rombo dos gastos públicos federais é cada vez maior.
Só como lembrete, eu volto a recordar que o Brasil nasceu municipalista, mas hoje é uma República Federativa, onde a União decide as coisas e obviamente os seus interesses estão em primeiro lugar doa a quem doer. Quer dizer, a fome da União é o seu interesse maior, o resto que se dane, inclusive os pobres dos municípios e os infelizes dos contribuintes.
A Política Nacional ou, pelo menos, a Legislação Nacional já fez a sua opção jurídica e administrativa pelo Municipalismo, na Constituição de 1988. Agora só está restando atribuir o aporte financeiro devido para complementar e equipar efetivamente os Municípios, a fim de que eles possam assumir e cumprir suas respectivas funções constitucionais. Os Municípios querem demonstrar suas capacidades no desenvolvimento dessas funções, porém precisam de recursos econômicos para atingir seus intentos.
Todavia, como diz o ditado: “o cobertor é curto” e há quem acredite que: “proteger a cabeça é o mais importante, pois até é possível viver sem os pés”. A União, que é a cabeça, tem agido exatamente assim e os Municípios, que são os pés, porque estão na base do sistema federativo brasileiro, têm ficado descobertos. Mas é bom esclarecer, que alguns dos Municípios não são apenas os pés, porque há alguns municípios que também são o coração, o fígado, o rim ou outros órgãos vitais quaisquer desse país, pois, como já foi dito e todo mundo sabe é nos municípios que as coisas, sejam elas quais forem, acontecem. Além disso, mesmo admitindo que os municípios sejam apenas o pé do corpo brasileiro, sempre é útil lembrar que “um pé gangrenado pode produzir um corpo morto”.
A União e os Estados, lamentavelmente, têm visto os Municípios como meros apêndices de seus corpos, sem grandes problemas. Entretanto, esquecem que seus corpos não são perfeitos e que até podem deixar de existir na falta de alguns desses seus apêndices. No caso do Estado Brasileiro, sua própria origem surgiu no Município e não há como prosseguir de forma diferente. O Brasil, a Gente Brasileira, é naturalmente Municipalista e há vários textos e inúmeras pesquisas de opinião pública que podem comprovar esta afirmativa.
Não há como negar que quase todos os atores envolvidos no pacto federativo e no processo Político-administrativo Brasileiro, direta ou indiretamente, além dessa noção, têm que conhecer a verdadeira dimensão das consequências do que acabei de afirmar. Mas, então eu questiono: por que só quem está no âmbito Municipal defende o interesse do Município? Em outras palavras, por que o Presidente, o Senador, o Deputado Federal, o Governador e o Deputado Estadual (INDEPENDENTE DE PARTIDO POLÍTICO, CREDO RELIGIOSO, SEXO, IDADE OU RAÇA), salvo raríssimas e preciosas exceções, “se esquecem” que o Município é quem mais precisa ser revitalizado economicamente?
Quero dizer, mais uma vez, que é no Município que as coisas acontecem e é, principalmente, no Município que a Democracia nasce. A Constituição é Municipalista, mas a União e o Estado não são. Ora, como é possível viver com esse antagonismo? Como fazer Democracia num País em que a União mascara o Estado, inviabiliza o Município e esmaga o contribuinte?
Senhores ocupantes de funções políticas eletivas, mormente Senadores e Deputados Federais, os Senhores têm uma função maior no mandato eletivo que carregam. Está na hora, aliás, já passou da hora, de se colocar ordem nas coisas e fazer valer o texto constitucional. Urge que se salvem os Municípios Brasileiros e os Senhores poderão, se quiserem, tentar fazer isso. O Discurso Político do Governo Brasileiro da Reforma Tributária é interessante e alvissareiro, entretanto a prática a ser desenvolvida está muito na dependência da ação parlamentar efetiva, que até aqui também não aconteceu.
Lembrem-se Senhores, que os Senhores nasceram, estão vivendo e irão morrer num Município. Ah, eu ia me esquecendo: “é nos Municípios que os Senhores também deverão conseguir os seus votos nas próximas eleições, pois seus eleitores também estão nos Municípios”. Pensem nisso e ajudem a salvar os municípios brasileiros cobrando a Reforma Tributária, pois quem sabe, assim também não acabam por salvar os seus respectivos mandatos.
Luiz Eduardo Corrêa Lima (52) é Biólogo, Pesquisador, Professor de Ensino Superior e Médio, Escritor, Ambientalista, Membro Efetivo da Academia Caçapavense de Letras, foi Vereador e Presidente da Câmara Municipal de Caçapava.