A capacidade de pensar é uma dádiva de Deus concedida a uma espécie em particular. É possível que Ele tenha premiado a espécie humana com essa distinção para poder contar com uma força executiva para a construção do universo. Nós não somos o que somos por força de qualquer elemento externo, alheio à nossa vontade e que está além do nosso controle. Nós somos as criaturas que aprendemos a ser por conta de “programas” implantados em nosso sistema neurológico, os quais, além de determinar as escolhas que fazemos na vida também regulam o nível de habilidade com que agimos para executar nossas ações.

Se eu escolho me alimentar de carne ao invés de frutas ou legumes, essa é uma opção que eu faço por conta de um hábito alimentar adquirido pelo meu organismo; da mesma forma, se eu escolho uma determinada cor de roupa, um modelo de carro, um perfume, isso também é resultado de um critério que me dita esta ou aquela alternativa. Tudo isso são escolhas orientadas por um processo neurológico interno que se estrutura de certo modo.

A mesma coisa acontece com os nossos sentimentos. Todos eles são estados internos determinados pelos “programas” que implantamos em nosso sistema neurológico. Não ficamos tristes ou alegres por força de uma disposição inata do organismo que nos faz assumir este ou aquele estado de espírito em razão de um determinado acontecimento; nem amamos ou odiamos porque uma divindade nos inspirou um estado de enlevamento e ternura, ou porque existem espíritos maus que adoram promover discórdia entre os seres humanos.

Nem o nosso coração – que os poetas dizem ter razões que a própria razão desconhece – tem alguma coisa a ver com os nossos sentimentos a não ser o fato de que ele é grandemente afetado por eles. O coração não pensa nem gera sentimentos: ele apenas os reflete, da mesma forma que o fígado, os pulmões, os intestinos, o estômago e todos os demais órgãos desse complicado sistema que é o corpo humano.

Há pessoas que não se sentem “obrigadas” a ficar tristes com a morte de um parente e outras que não se alegram nem mesmo com os acontecimentos mais felizes. Todos nós conhecemos pessoas assim, que parecem “icebergs”, extremamente frias, impassíveis perante qualquer situação, como se fossem criaturas sem nervos.

São os “programas” instalados no seu sistema neurológico que as fizeram assim. Neles não há um “aplicativo” que reconheça a utilidade de sentimentos de piedade, solidariedade, comiseração etc. Por outro lado, há pessoas que se emocionam com extrema facilidade. Uma cena triste em uma novela de televisão, ou em um filme tira delas copiosas lágrimas. Choram, se enternecem, gritam horrorizadas, tremem de medo, excitam-se, mesmo sabendo que o que estão vendo ou ouvindo é mera encenação.

Isso nos permite deduzir que o mundo em que realmente vivemos não é o mundo real, mas sim aquele que criamos em nossas mentes. E ele é o resultado dos “programas” que são implantados em nosso sistema neurológico desde o momento em que somos concebidos, pois mesmo no útero materno nossa mãe já está nos “programando” através das informações que recebe do mundo e do que pensa e sente a respeito delas.

Assim, podemos dizer que a mente humana não é exatamente uma “tábula rasa” no momento em que a pessoa nasce, como afirmou um renomado filósofo, mas sim um “soft” interativo que possui “programas” específicos que são desenvolvidos à medida quefazemos interação com o mundo.[1]

 


[1] O filósofo inglês John Locke ( 1632- 1704), fundador do chamado Empirismo, sustentou que a mente das pessoas, por ocasião do nascimento, são como folhas em branco ( tábula rasa), em que tudo ainda está por escrever.