Um Embaixador, aposentado, manifesta-se sobre a ONU
CORREIO BRAZILIENSE – OPINIÃO 28/04/2024
Artigo: O Brasil no Conselho de Segurança da ONU
Jorio Dauster, Embaixador aposentado, consultor de empresas e tradutor
A inoperância do Conselho de Segurança das Nações Unidas ao ser defrontado com os trágicos
conflitos na Ucrânia e em Gaza trouxe de novo ao debate público a questão de sua reforma.
Na verdade, esse é um tema que remonta praticamente à criação da ONU, uma vez que o
órgão supostamente encarregado da manutenção da paz foi sempre tolhido pelo exercício do
poder de veto por um ou mais de seus membros permanentes. Até março do corrente ano, a
Rússia (e antes a União Soviética) usou o poder de veto 128 vezes; os Estados Unidos, 85
vezes; o Reino Unido, 29 vezes; a China, 19 vezes; e a França, 16 vezes.
Mais recentemente, após serem vetadas diversas propostas sobre Gaza, o Conselho de
Segurança, em 25 de março último, aprovou unanimemente uma resolução (com a abstenção
dos Estados Unidos) exigindo o cessar-fogo imediato entre Israel e o Hamas, bem como a
libertação imediata e incondicional de todos os reféns. Apesar dessa rara concordância, em
que pela primeira vez os Estados Unidos não vetaram uma decisão rechaçada por Israel, a
guerra continua sem nenhuma trégua e sem a entrega de qualquer refém.
Malgrado esse retrospecto decepcionante, ou antes devido a ele, a necessidade de reforma do
sistema destinado a salvaguardar a paz mundial se torna cada vez mais urgente diante da
exacerbação das tensões em vários pontos do globo. De fato, a composição do Conselho de
Segurança reflete a configuração de poder presente no fim da Segunda Guerra Mundial,
espelhando as condições excepcionais de que dispunham então as cinco potências nucleares.
No entanto, de lá para cá, inclusive em consequência do gradual enfraquecimento da
hegemonia norte-americana e da emergência de outras potências, em especial da China, é
natural que se busque novos arranjos mais compatíveis com a multipolarização em curso. Ao
longo das últimas décadas, várias reformas já foram sugeridas, inclusive uma apresentada há
quase 20 anos conjuntamente por Brasil, Índia, Japão e Alemanha, pela qual esses quatro
países se tornariam membros permanentes (sem poder de veto) e seriam criados ainda mais
dois assentos permanentes (para países africanos) e quatro não permanentes. Obviamente,
todas as diversas propostas de reforma têm encontrado diferentes tipos de oposição, sendo,
inclusive, conhecidas as posturas da Argentina contra a pretensão brasileira, a da China contra
a presença do Japão, a dos Estados Unidos contra a entrada da Alemanha.
Entretanto, cabe persistir embora pareça pouco produtivo que o Brasil simplesmente reitere
as reivindicações que faz há pelo menos três décadas. Assim, com vistas a injetar um sopro
novo nesse debate até hoje infrutífero, sugiro que o Brasil, sem abdicar da candidatura à
condição de único membro permanente da região, ofereça aos outros 32 países da América
Latina e do Caribe, caso eleito, a possibilidade de participarem efetivamente das deliberações
do Conselho de Segurança ampliado. Com isso, se estaria reconhecendo de modo implícito que
os debates conducentes ao alargamento do Conselho deram caráter irrevogavelmente
"regional" à futura representação dos países em desenvolvimento, inclusive no caso da África
em que, ao contrário da posição reconhecidamente excepcional de que gozam o Brasil e a
Índia em suas respectivas regiões, nenhum país ostenta condições idênticas a desses dois.
Em sintonia com os princípios que regem a política externa do governo do presidente Lula, o
mecanismo proposto deve ser apresentado como exemplo de democratização das relações
internacionais, objetivo advogado por nós e por numerosas nações latino-americanas desde os
primórdios da ONU. Serviria assim tanto para atenuar a frustração dos países que não seriam
membros permanentes quanto para aumentar a adesão à causa do Brasil pelos países médios
e pequenos da região.
Como o objetivo desse novo mecanismo consistiria em permitir o amplo envolvimento dos 32
países associados nos trabalhos do Conselho de Segurança sob a liderança e a coordenação do
Brasil, deveria ser estabelecido um sistema de consultas sistemáticas em Nova York com as
representações de tais países acerca dos itens constantes da pauta daquele órgão. Por fim, de
modo a garantir a efetiva coparticipação dos associados nas matérias levadas a voto, o Brasil
lhes submeteria o projeto definitivo de resolução e, dentro de prazos compatíveis com a
mecânica decisória do Conselho, receberia suas indicações de "voto virtual": sim, não ou
abstenção. Inexistindo consenso devido à posição divergente de três ou mais associados, o
Brasil se absteria. Caso o projeto de resolução fosse rejeitado pelo Brasil ou pela maioria dos
associados, a posição de todos na região seria explicitada em declaração de voto feita pela
delegação brasileira.
Sem dúvida essa ideia pode e deve ser trabalhada pelos meus colegas na ativa, mas estou
convencido de que, além de ser superior ao conceito de rotatividade dos novos membros
permanentes, pode facilitar as acomodações em outros continentes caso também adotada por
eles. Eventualmente, poderíamos então contar com uma frente sólida de 152 nações em
desenvolvimento para pressionar pela imprescindível reforma do Conselho de Segurança.