O sonho do Prelado

Padre Grevy foi uma figura. Figurou nas páginas do menino-escritor Bartolomeu Campos Queirós, como o padre que sapecava uma missa breve, sem sermão e até sem coleta, em Papagaios, MG, dos anos 50, para levar logo a meninada para o campinho de futebol, na maior festa dominical...

De uma passagem sua pela nossa Velha Serrana, Pitangui para os mais formais, já mais erado e rubicundo, pude assistir a algumas celebrações suas como co-adjutor, ainda sem o esperado sermão. Dizia-se que naqueles anos dos setenta, sua remanescente paixão, já longe da meninada, continuava sendo o futebol, o Galo, mais especificamente. E finda a missa das sete da noite, ele se recolhia em seu aposento na casa paroquial, munido do video-cassette, para saborear o teipe da vitória do Atlético, quando devidamente confirmada e sacramentada pelo próprio vigário Guerino. E ainda assim, como sofria diante da telinha chuviscando em preto e branco...mas o eventual gol salvador de Dario, o Peito de Aço, ao apagar das luzes, lhe restituía a paz e a certeza de um sonho colorido...

Tempo adiante, já desobrigado de suas funções litúrgicas, e albergado em casa de repouso, começou a desenvolver uma resistência à assepsia, sobretudo o banho diário, ou semanal que fosse... E ao seu entorno, a preocupação dos residentes e da zeladoria, bem como o crescente desconforto olfativo ganhavam proporções avassaladoras...

Notificado a respeito, o titular da Diocese, Dom Belvino, não podendo fazer o possível nem o impossível, recorreu à inspiração divina, e foi visitar o colega de batina, munido da fé e da quase desesperança. Mas sua missão foi coroada de êxito: no ato da confissão, segredou ao padre Grevy que ainda na véspera sonhara com um Anjo do Senhor que lhe confidenciara sua preocupação com o sacerdote Grevy, cuja recusa em se banhar, lhe acrescentaria, a cada dia, um prazo correspondente de permanência no purgatório. Foi a salvação, graças ao breve sermão e ao providencial sabão...