A capacidade de pensar é uma dádiva de Deus, que foi concedida a uma espécie em particular.  Talvez Ele tenha nos premiado com essa distinção justamente para poder contar com uma força executiva para a construção do universo. Os filósofos gnósticos diziam que há uma divindade que “pensa” o universo e nós, os seus pedreiros, o construímos.  Talvez seja por isso que Ele nos selecionou entre as espécies que colocou no mundo e nos confiou essa missão. Pensando assim, parece lógico que Ele tenha incluído, de alguma forma, no nosso gabarito biológico, um “programa” específico que nos leva a procurar naturalmente as informações que precisamos para organizar nossas vidas em um processo de evolução real e ascendente, que tem por objetivo aperfeiçoar cada vez mais a nossa capacidade de resposta.
Nós não somos o que somos por força de qualquer elemento externo, alheio à nossa vontade e que está além do nosso controle. Nós somos as criaturas que aprendemos a ser, por conta de “programas” implantados em nosso sistema neurológico, os quais, além de determinar as escolhas que fazemos na vida, também regulam o nível de habilidade com que agimos para executar nossas ações.
É assim que as pessoas escolhem suas opções sexuais, da mesma forma que seus hábitos alimentares, suas profissões, seus modelos de carro, suas roupas, etc.  O “programa” que alimenta esses tipos de comportamento existe em todas as pessoas, machos e fêmeas indistintamente, pois no homem e na mulher, originalmente, não são tantos os caracteres biológicos que os distinguem e faz com que seus organismos se formatem com um sexo ou outro.
Somos todos originários de uma mesma matriz biológica e portanto, de origem, temos a mesma conformação neurológica. É o mundo, o ambiente em que vivemos, as informações que recebemos, e principalmente a forma como as interpretamos que fazem as diferenças psicológicas e existenciais que existem entre nós. Cada um é o que é devido a forma como "sente" o mundo.
Por isso, quem “escolhe” ver o mundo por diferentes ângulos de visão sempre encontra diferentes formas de lidar com as dificuldades que ele apresenta. Quem se cristaliza em um único ponto de vista terá, naturalmente, dificuldade para encontrar caminhos num ambiente que muda de conformação a cada minuto.  
Tudo que precisamos para viver, e viver bem, está no mundo. O problema é que, geralmente nós criamos um muro em volta do nosso próprio ego e nos recusamos olhar para o que existe para além dele. E assim ficamos como o sujeito daquela fábula que gastou a fortuna e a vida toda procurando pelo mundo aquilo que estava enterrado no próprio quintal. Paulo Coelho escreveu um belo conto com essa fábula e ganhou muito dinheiro reconstruindo uma estória que os árabes já contavam há mais de mil anos.[1] 
Esse é um belo exemplo de uma nova visão reconstruída sob uma estrutura antiga. Vicente de Carvalho também escreveu um sugestivo soneto a respeito dessa incapacidade que, ás vezes, tolda a nossa visão e nos impede de ver as oportunidades de ser feliz.
 
Só a leve esperança, em toda a vida,
Disfarça a pena de viver, mais nada:
Nem é mais a existência, resumida,
Que uma grande esperança malograda.
 
O eterno sonho da alma desterrada,
Sonho que a traz ansiosa e embevecida,
É uma hora feliz, sempre adiada
E que não chega nunca em toda a vida
 
Essa felicidade que supomos,
Árvore milagrosa, que sonhamos
Toda arreada de dourados pomos,
 
Existe, sim: mas nós não a alcançamos
Porque está sempre onde a pomos
E nunca a pomos onde nós estamos.

    Triste constatação de uma verdade que é não apenas filosófica, mas neurológica mesmo. Procuramos tanto a felicidade em lugares distantes de nós mesmos que esquecemos de olhar no nosso próprio quintal.
E na verdade, nós não precisamos mudar muito de opinião, nem alterar radicalmente o nosso modo de vida para obter melhores resultados do que aqueles que estamos obtendo. Ninguém sabe o que Deus quer de nós. Nem o padre, nem o pastor, nem o xamã, o xeique, o hierofante, o pai de santo, o vidente, ou seja lá quem for que se arrogue no papel de oráculo. Nós só encontraremos as combinações corretas para a nossa vida se levantarmos as informações certas e soubermos interpretá-las sem equívocos.
A vida orgânica é pura química e a vida social pura comunicação. Quem estuda, quem procura obter as informações corretas antes de tentar uma experiência química corre menos perigo de explodir o laboratório ou envenenar a si mesmo e aos seus próximos. E ás vezes, basta a mudança de posição entre um elemento da cadeia de reação para que se encontre a fórmula certa. Da mesma forma quem conhece e utiliza corretamente as informações (que é a fonte de toda sabedoria) consegue viver melhor e contribuir mais para o todo social.
É verdade que a vida dá, mas é preciso que a gente vá buscar. Mas isso não quer dizer que devemos esquadrinhar o mundo inteiro à procura da felicidade, da sabedoria, do tesouro, do amor, seja lá o que for o nome que queiramos dar ao resultado pretendido, como fez o personagem do conto árabe que Paulo Coelho adaptou. Um outro provérbio, não sei se árabe ou chinês diz: “não queira ensinar  caminhos para ninguém sem antes dar muitas voltas ao redor da sua própria casa.”
Então, às vezes, basta sentarmos num lugar diferente do sofá para que o enfadonho programa que a gente vê na TV todos os dias pareça ter ficado diferente. E a gente passe a gostar mais, ou menos, dele. A felicidade também é assim. No geral, é apenas ponto de vista.
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(1
 Referimo-nos ao enredo do seu livro mais famoso “O Alquimista”, que foi inspirado em um antigo conto árabe