Penas apenas...?
Até para coçar a sarapintada calva, o vovozim parece tirar o chapéu imaginário. Com o vagar de sempre, aproxima-se resoluto da janela do automóvel, faz o cumprimento habitual com a reverência que lhe sai na facilidade de uma bênção, e proseia compassadamente, anunciando que fará um revelação:
É sobre a lembrança viva que traz de seus quatro pra cinco anos de idade, do dia do falecimento de sua avó materna. Pouco antes de recebida a notícia do infausto, sua mãe, Dona Lóia estava justamente preparando o franguinho que lhe seria ofertado, para soerguê-la do catre. Sobre o franguinho, Vovozim assinala que o mesmo já tivera uma perninha quebrada, rejuntada a talo de fósforo, e milagrosamente recuperado, ainda que manco, ciscava que era uma beleza. E se dava pena imolar o bichinho, valia o sacrifício pela recuperação da vovozinha querida, e tão sofrida...
Quando a notícia chegou, pegou-o na panela, entretanto. E sem a matula, a família partiu às carreiras para homenagear a falecida, cuja casinha situava-se a uns 15 minutos de caminhada ligeira do Beco dos Canudos, na direção da Fundição.
O fato extraordinário para o Vovozim, no entanto estava por vir, e coroar significativamente aquela partida: quando todos se achavam em oração à volta do caixão, um pombo, em vôo rasante, fugindo quiçá da sanha de um gavião, batera com tal força à parede, que, "... já dispelada a ave..." suas plumas foram todas parar dentro do caixão, emoldurando a falecida, o que valeu o comentário de algum circunstante espirituoso de que estava ali a prova viva das penas que ela havia sofrido na terra...