O PRAZER DE MATAR

 
Li um texto do recantista Edjar Dias de Vasconcelos (07h50 de 20/05/2018), intitulado "Freud: Quando a doença transforma-se em saúde ao criar a mesma como mecanismo cultural" - T6341320.  
Combina muito com um trecho do livro "Memórias do Subsolo", de Fiódor Dostoiévski, que vou descrever logo abaixo do meu comentário.  A saber:

I - Comentário:
""Há quem encontre prazer em exibir sua perversão contra alguém ou alguma coisa que o incomode. A perversidade proporciona prazer, tanto quanto o sexo.  Indivíduos perversos e estupradores se confundem.  Irracionalmente, dão asas ao mau instinto, mesmo sem perceber.  Consideram seus atos absolutamente normais.  Alguns deles, com o tempo, conforme a formação adquirida, a atividade que ocupam e o meio social em que se situam, obedecem rigidamente às  rédeas de um poder maior: o respeito às normas, à moral, à ética, ao outro ou à sua posição social.  Reprimir a própria perversão é condição "sine qua non" para que sua boa imagem seja preservada.  Claro que, a contragosto, o mau caráter se veste de defensor da verdade dos fatos, do decoro e da imparcialidade, sobretudo no trato das pessoas.  .Se se trata de autoridade policial ou judicial, suas decisões aparentam independer de cor, ideologia, preferência partidária, credo religioso, região de origem ou condição social.  Caminho naturalmente difícil para os sádicos e preconceituosos.  A esse poder maior, as rédeas legais e sociais, Dostoiévski chama de "muro", como se, numa arena, toureiro e toureador realizassem um espetáculo sangrento. O "muro" simbolizando as normas e seus guardiões.  Essa limitação de poder, ou do desejo, decorre, portanto. de um comportamento aprendido ou reprimido. Mesmo assim há casos em que o algoz, ainda que tenha educado o seu instinto, fica se mordendo por dentro e fecha os olhos para o equilíbrio da balança de Themis. Em alguns casos (seletividade) sente que é chegado o momento do uso da espada: "É agora ou nunca!"...  Qual uma fera esfomeada, faz valer a sua ira, confundindo-a com a própria consciência. A ira é uma doença que exige sangue como alimento.  Outros algozes ideológicos, também sedentos dessa sangria, estimulam o ódio e o rancor, em forma de aplausos, para que a punhalada "legal" de fato aconteça.  O julgador (Toureiro) passa a ser mais respeitado quando se mostra "superior ao rigor das normas", superior inclusive aos seus superiores.    Não basta dominar o touro, pois a técnica é desprezível.  O manejo da espada dá-lhe o destaque esperado.  Os algozes aplaudintes podem também ocupar posições "privilegiadas" parecidas com a desse toureiro:  um rei; um presidente da república; um delegado de polícia; um carcereiro; um líder comunitário; um político; um internauta... A moral de todos eles numa mesma arena: o uso da força sem o esforço da obediência às normas.   
O toureiro escolhido por seus iguais passa a ser visto como herói, quando, na verdade, descumpriu a regra do jogo ao eliminar de um só golpe a sua inculpada presa. Debaixo das vestes de toureador, um carrasco preconceituoso e odiento.
Assim agia Cleópatra, quando perfurava os seios de suas servas com reluzentes alfinetes de ouro, e se deliciava com os seus gritos de dor.  Afinal de contas, era uma inteligente rainha egípcia. Assim o faziam certos milionários brasileiros que pagavam para assistir, ao vivo, embora escondidos, a tortura dos "subversivos" detidos nos quartéis.  Assim procedeu Bush, filho, ao decretar guerra contra o inerme Iraque, com a mão estendida sobre a Bíblia, trazendo no íntimo tão somente a intenção de tirar a vida de Saddan Hussain, para atender ao sadismo do pai.  Promessa cumprida, nada obstante os milhares de iraquianos esmagados.  Assim procedeu um certo juiz brasileiro, que condenou a sua presa a muitos anos de prisão, depois de uma sentença de oitenta e oito laudas, das quais trinta e cinco constituíram sua autodefesa, se desculpando por estar praticando aquela ignomínia. A autodefesa de um julgador, por si só, explica que ele ultrapassou as normas. Ora, ora, se estivesse sob a capa da verdade, precisaria desculpar-se?!... Com certeza, também uma promessa feita ao pai, antigo adversário político declarado do condenado...  Uma demonstração de força.  Amostra da doença que eles (pai e filho) cultivam e mantêm-na enjaulada, porque indomável...
É assim a humanidade: poucos imitam a fidelidade dos cães; preferem, quando armados, comparar a sua força com a força física dos touros ou, quando desarmados, o que dá no mesmo, a destreza e a covardia dos camundongos

Assim o fazem os "coxinhas", "mauricinhos" e "mortadelas", na campanha eleitoral ou no antagonismo de suas pseudo-ideologias, via redes sociais, comendo-se uns aos outros.  Em tudo, abuso de sensacionalismo, deturpação da democracia.  Eis o que os autênticos democratas e sadios cidadãos repudiam: Libertinagem com mugidos e expressões raivosas.  Os mesmos lubisomens de antigamente, com faro de sangue, para os quais a disseminação de suas doenças é salutar.  No final, todos são "Cleópatras"; cada um escondendo ou justificando seus malévolos interesses"".

II - Para análise, trechos comparativos da obra de Dostoiévski:
"""...Tenho um terrível amor próprio. Sou desconfiado e me ofendo com facilidade, como um corcunda ou um anão, mas, realmente, tive momentos tais que, se me acontecesse receber um bofetão, talvez até me alegrasse com o fato.  Falo a sério: com certeza eu saberia encontrar também nisso uma espécie de prazer - naturalmente o prazer do desespero, mas é justamente no desespero que ocorrem os prazeres mais ardentes... E, no caso do bofetão... sim, fica-se comprimido pela consciência do mingau a que nos reduziram.  E o principal, por mais que se rumine o caso, está em que eu sou o primeiro culpado de tudo, segundo as leis da natureza (Considerei-me, continuamente, mais inteligente que todos à minha volta...  Pelo menos, a vida toda olhei de certo modo para o lado e nunca pude fitar as pessoas nos olhos).  Finalmente, sou culpado porque, mesmo que houvesse em mim generosidade, eu teria com isso apenas mais sofrimento devido à consciência de toda a sua inutilidade. Certamente eu não saberia fazer nada com a minha generosidade: nem perdoar, pois o ofensor talvez me tivesse batido segundo as leis da natureza... ...Quando um sentimento de vingança, suponhamos, se apodera do indivíduo, nada mais resta em seu espírito, a não ser esse sentimento de vingança. Um cavalheiro desse tipo atira-se diretamente ao objetivo, como um touro enfurecido, de chifres abaixados, e somente um muro pode detê-lo... ...Devido à sua inata estupidez, considera sua vingança um simples ato de justiça; já o camundongo, em virtude de sua consciência hipertrofiada, nega haver nisso qualquer justiça... Naturalmente, resta-lhe sacudir a patinha em relação a tudo e, com um sorriso de fictício desprezo, no qual ele mesmo não acredita, esgueira-se vergonhosamente para a sua fendazinha."""
Fernando A Freire
Enviado por Fernando A Freire em 08/06/2018
Reeditado em 21/07/2018
Código do texto: T6358531
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