Zé Carlos, da Manutenção
Hoje ele é Assistente. E vem fazendo curso de aperfeiçoamento para subir na escala profissional. É o José Carlos, da Manutenção Técnica ali do Hotel Intercity, situado na Avenida Raja Gabaglia, em Belo Horizonte, a capital dos mineiros e dos sonhos e pesadelos de tantos brasileiros.
Beagá, que vem crescendo exponencialmente nas últimas décadas, é, em seu contexto, a esperança de umas cinco milhões de pessoas que vivem no terreno da capital, e o conjunto de suas cidades satélites, de levarem uma vida melhor. E há quem desista, voltando para o interior, ou até buscando refúgio no exterior. Mas o universo maior é de quem resiste, persiste, insiste.
E o Zé Carlos é um neste mega-cosmo, de cuja vida, ainda que apenas superficialmente, tomei conhecimento no iniciozinho da tarde de ontem, 14 de agosto, quando, em visita à minha mãe, internada no complexo hospitalar Madre Teresa, na mesma sinuosa Avenida Raja Gabaglia, quase frontal ao dito Hotel Intercity, recebi uma chamada de emergência pela segurança do hospital.
Era o Zé Carlos, metido no seu uniforme de trabalho, que, com uma carteirinha de plástico contendo os documentos de meu carro, vinha havia longos minutos e tentativas, buscando me localizar.
Preparei-me para uma história de final infeliz, como tantas que ocorrem diariamente em nossa nece-cidade. Já imaginava vidro estilhaçado, painel depenado, ou veiculo simplesmente afanado.
Na caminhada de quase meio quilômetro que se seguiu, caminhado em passo acelerado, até o estacionamento público, Zé Carlos esforçou-se para me explicar a razão de seu ato, de estar ali, empunhando documentação de terceiros, após haver vasculhado, atabalhoadamente, o porta-luvas do carro, cuja janela do carona eu havia, inadvertidamente, deixado escancarada, enquanto tentava me tranquilizar que o carro ainda estava lá.
E, feitos os esclarecimentos que lhe competiam, Zé Carlos, fez menção de atravessar a avenida para retomar suas atividades rotineiras no hotel. Entretempo, recompostas minha respiração e credulidade que se possa ainda encontrar uma pessoa daquela nobreza de caráter, que se materializara ali na minha frente, enfiei a mão no bolso, pedindo-lhe que aguardasse um instante.
Zé, que como tantos de nós, que crê na virtude do trabalho honesto, sentindo a iminência de uma compensação financeira para seu ato, adiantou-se, recusando qualquer importância financeira, esteado nos seus princípios familiares e religiosos, afirmando, categoricamente, que não fizera aquilo por dinheiro. Sua satisfação era a minha satisfação.
Por um átimo, pensei na devassidão e hipocrisia que grassam nossos altos escalões de vida pública e privada, permeando todo o espectro, vertical e horizontal, de nossos representantes.
Quase usei a palavra propina, para convencer o decidido moço de que no caso presente ela era discricionária e plenamente, universalmente justificada. Mas me refreei na linguagem. O termo propina aviltou-se de tal forma que se torna difícil recuperar-lhe foro de honestidade.
Expliquei-lhe, nada obstante, que seu gesto não tinha preço, mas que batalhador como é, e como mo provara, valia bem mais que um café. E logo convicto ateu, de repente, em anjos, passei a acreditar eu.