Brevíssima história social do punk e do pós-punk
A Folha de S. Paulo (p. B4, 28/11) publicou uma reportagem sobre o novo álbum de Duran Duran, “Danse Macabre: De Luxe” – versão de luxo do disco homônimo lançado em outubro do ano passado. No trecho em que contextualiza o cenário musical em que a banda britânica surgiu – na cidade de Birmingham, Inglaterra, em 1978 – o autor do texto escreve:
“O Duran Duran surgiu em 1978, em meio a uma efervescente cena de música local que misturava punk, pós-punk, música eletrônica e até heavy metal”.
Pouco depois, há citação do baterista de Duran Duran, Roger Taylor. Reproduzo a parte que mais achei interessante: “Para mim, o punk estava morto em 1978, porque eu imediatamente comecei a ouvir Joy Division e coisas mais eletrônicas como Gary Numan e Human League”.
Faltou o autor da reportagem relacionar a “efervescente cena de musical local” a questões mais amplas que envolviam a cidade de Birmingham e o capitalismo britânico como um todo. A “morte” do punk em 1978, citada por Taylor, ou a mudança do punk para o pós-punk é produto de mudanças na superestrutura musical britânica que, por sua vez, tem conexão com transformações na base econômica da Inglaterra.
O punk está simbólico e historicamente ligado ao proletariado. Na obra “Rock, o grito e o mito”, Roberto Muggiati descreve o punk como “rock-da-fila-dos-desempregados”. O proletário surgiu no capitalismo industrial. Bandas como Sex Pistols e The Clash manifestavam musicalmente a insatisfação do trabalhador contra problemas econômicos conjunturais e estruturais que afetavam a classe operária, pobre e marginalizada. Contudo, com o fenômeno da desindustrialização e a ascensão do capitalismo de serviços, houve mudanças significativas no “proletariado”. É razoável inferir que isso tem relação com a “morte” do punk.
O trecho a seguir foi retirado da obra “Crisis in Industrial Heartland: a study of the West Midlands”, especificamente do capítulo “De-industrialization and Corporate Change”:
“A origem da crise atual foi a incapacidade do setor manufatureiro de gerar lucro suficiente para reinvestimento, o que levou a um enfraquecimento progressivo da competitividade das empresas nas West Midlands. Ao longo das décadas de 1960 e 1970, os sintomas da crise subjacente na economia puderam ser observados em uma série de fusões, fechamentos de fábricas e falências, bem como no declínio da lucratividade. A sobrevivência foi alcançada por meio de tentativas de restaurar a lucratividade através de racionalização, mudanças setoriais, deslocamentos na localização da produção e investimentos em novas técnicas.”
West Midlands é uma região na Inglaterra que abrange três cidades: Birmingham, Wolverhampton e Coventry. Como pode-se observar, o trecho descreve mudanças impactantes na base econômica da Inglaterra, o que provocou modificações relevantes na superestrutura cultural. Nesse contexto, a classe trabalhadora foi fatalmente influenciada por essa nova situação socioeconômica, que possui a fragmentação e a precarização do trabalho entre as suas características.
A ascensão do pós-punk está ligada a essas mudanças econômicas. Se o punk era também visto como o “rock dos desempregados”, não é tão simples afirmar que o mesmo se aplica ao pós-punk. Contudo, este emerge em Birmingham como uma resposta às novas condições econômicas ocorridas. O punk é uma resposta às consequências da desindustrialização. O pós-punk surgiu num contexto em que há o agravamento desse problema e há novos efeitos negativos. A abordagem mais introspectiva do pós-punk pode ter relação com uma menor conexão do proletário com sindicatos e um maior individualismo. Talvez um sinal de transformações sociais que indicavam um neoliberalismo que estava por vir.
A banda Joy Division, que é de Birmingham, é um exemplo de como a abordagem do pós-punk difere da perspectiva do punk. O pós-punk reflete uma fragmentação decorrente da nova forma do capitalismo que surgia em Birmingham e estava mais acentuada na segunda metade dos anos 1970. Experiências - novos modos de alienação, isolamento, fragilidade humana etc. - relacionadas a esse contexto econômico ascendente tornaram-se temas líricos.
E essa mudança não é notável apenas nas letras. O pós-punk também ascendeu graças ao desenvolvimento das forças produtivas. O trecho diz que a “racionalização, mudanças setoriais, deslocamentos na localização da produção e investimentos em novas técnicas” foram os meios encontrados para “restaurar a lucratividade”. O processo de inovações tecnológicas também foi aplicado na música e o Joy Division, como algumas outras bandas, aproveitou para utilizar novas técnicas de produção e gravação.
A figura de Martin Hannett, que produziu o disco "Unknown Pleasures", foi essencial para que o som do Joy Division fosse distinto do punk no uso de tecnologia. Na página 112 da obra "Rip It Up and Start Again: Postpunk 1978-1984", do jornalista Simon Reynolds, lê-se: "Os discos punk geralmente simulavam o som compacto e direto de um show em um pequeno clube. Os tempos rápidos e as guitarras distorcidas se adequavam à reprodução de som metálica e bidimensional do single de sete polegadas". De acordo com Reynolds, Hannett convenceu o Joy Division a "explorar a capacidade do estúdio de gravação de criar espaço", técnica que bandas punk normalmente não usavam e que por isso eram vistas por Hannett como "sonicamente conservadoras".
A passagem do punk ao pós-punk está ligada a transformações no capitalismo e no proletariado. Isso pode ser observado nas diferenças líricas entre os dois gêneros. Além disso, a inovação de forças produtivas permitiram o uso de novas técnicas e tecnologias, e possibilitou que gêneros musicais incorporem outros. O uso de sintetizadores é um bom exemplo a respeito.