Um bom disco de jazz japonês que foi ignorado pela imprensa

Estava escutando um disco de jazz no Spotify. Quando o álbum encerrou, veio uma sequência de variadas músicas que estão relacionadas ao que acabei de ouvir. A canção, que imediatamente iniciou após o fim do disco, começa com uma combinação instrumental somada a um outro som, que se assemelha a palmas sendo batidas. É como se fosse anunciado o início de um épico.

Refiro-me à música “Walk Tall”, a terceira faixa do disco de jazz japonês “Cat” (1976), do trombonista Hiroshi Suzuki. O álbum possui cinco faixas, mas essa me arrebatou, o que me fez escutá-la várias vezes. Contudo, as outras músicas do álbum também são boas, tornando-o uma produção musical de qualidade que, segundo algumas informações, foi ignorada à época pelas prestigiadas revistas de jazz, tanto as do Japão quanto as ocidentais. Em artigo publicado num site alemão de música, em junho de 2021, o jornalista Björn Bischoff disse: “Quando o disco foi lançado em 25 de fevereiro de 1976, quase ninguém se interessou por ele. Nem mesmo no Japão”.

E o próprio Suzuki, que faleceu em 2020, era um ilustre (quase) desconhecido. Sobre isso, Bischoff diz: “quase não há informações sobre Hiroshi Suzuki na internet, onde os colecionadores de discos mais experientes ainda trocam ideias. Em nenhum outro lugar. Nem mesmo uma entrevista. A busca por um quase desconhecido”.

“Cat” poderia ter sido plenamente esquecido no Japão se a Columbia não tivesse relançado o disco por lá em 2015. Além disso, a Klimt Records também lançou, em 2019, o LP na França, onde teve uma recepção negativa, de acordo com o jornalista do blog alemão.

Que me desculpem os franceses, mas discordo.

O disco pode não ser quintessencial, pois há falhas notáveis. Todavia, não comprometem todo o LP. Bischoff, por exemplo, observa que em “Walk Tall” o baixo dá “errado por um momento”. Porém, ele também reconhece que “a melodia salva a peça”. Eu vou além e afirmo que essa canção é como fosse um épico na forma de jazz.

“Walk Tall” de Suzuki é uma versão da canção homônima tocada pelo “The Cannonball Adderley Quintet” no fim dos anos 1960. Trata-se de um fato nada surpreendente para quem conhece a (escassa) biografia de Suzuki. Quando tinha 38 anos de idade, ele se mudou para os Estados Unidos, onde tocou na banda do baterista Buddy Rich. Em algum momento de sua estadia na América do Norte, ele teve contato com o “Walk Tall” de Cannonball. Para ter incluído a canção em seu próprio LP, só podemos concluir que ele gostou do que ouviu.

Apesar de ser um cover, eu considero que a versão de Suzuki possui contornos mais épicos que a canção original. E por quê? O épico também se caracteriza pela duração. Filmes com mais de três horas de duração são considerados épicos. “Walk Tall” de Suzuki possui 10 minutos e 14 segundos. Muita coisa para uma música de jazz. A música de Cannonball possui 2 minutos e 40 segundos na versão que aparece na compilação “Walk Tall: The David Axelrod Years”. No disco “Country Preacher”, um álbum ao vivo, ultrapassa os cinco minutos. O que ajuda a estender a música de Suzuki são as suas intervenções com o trombone, característica que não há na música original.

Em ambas existe a intervenção instrumental (seja com trombone ou com saxofone) que produz um tom homérico útil para anunciar a vitória do herói. Mas no cover de Suzuki, o tempo é mais longo. É um som que, por alguma razão, gera em mim uma leve euforia. Naturalmente, por ser mais extenso, o cover me permite ter uma sensação de entusiasmo ainda maior.

“Walk Tall” de Suzuki é superior às outras músicas de “Cat”. No entanto, elas têm suas próprias qualidades. A primeira faixa, intitulada “Shrimp Dance”, é lenta e relaxante, como se levasse o ouvinte a uma praia linda e deserta, com uma areia vividamente branca e nivelada que pode servir como uma pista de dança improvisada. A “dança camarão” é remansada a ponto de não desnivelar significativamente a areia. “Kuro To Shiro”, a segunda música, evoca o conceito de contraste (preto e branco). A “dualidade” pretendida é capaz de me tirar da indiferença. A quarta faixa “Cat” consegue ser mais longa que “Walk Tall”, mas não repete seu caráter épico, apesar da duração. Porém, a música possui sua própria singularidade positiva, como o uso cativante do piano. Há momentos em que o piano se torna mais intenso, sugerindo um clímax. Outros instrumentos acompanham e a música se torna candente. A canção final do disco se chama “Romance”. De acordo com o site Who Sampled, essa música transcendeu o jazz japonês, pois foi “sampleado” 87 vezes, inclusive por rappers. A sua sonoridade possui um aspecto sedutor que se torna mais atraente no minuto final.

Com todos esses atributos positivos, a indiferença da imprensa é inexplicável. O jornalista Björn Bischoff tem uma hipótese: “devido ao groove agradável na forma de tocar de Hiroshi Suzuki, este disco pode parecer um pouco discreto”.

Discreto ou não, “Cat” é um álbum de jazz com qualidade acima da média. Suas faixas possuem qualidades singulares e a combinação delas construiu um disco envolvente que vale a pena ser ouvido.

RoniPereira
Enviado por RoniPereira em 28/07/2024
Reeditado em 29/07/2024
Código do texto: T8116775
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