O baterista de The Doors se encantou com a Garota de Ipanema
John Densmore, escritor e baterista da banda The Doors, disse em entrevista ao Estadão que utilizou na canção “Break On Through” uma versão mais “rápida e rígida” do ritmo ouvido em “Garota de Ipanema”, clássico da bossa nova composto por Tom Jobim e letrado por Vinicius de Moraes, em 1962. Além disso, ele afirmou que os membros da banda ficaram “impressionados com Gilberto Gil”.
“Quando os Doors estavam ensaiando pela primeira vez, antes de conseguirmos um contrato com uma gravadora, a bossa nova estava em ascensão, vinda do Brasil, e também ficamos simplesmente impressionados com Gilberto Gil”, disse Densmore. “E Garota de Ipanema foi um grande sucesso aqui [nos EUA]. Eu simplesmente não podia acreditar como o ritmo podia ser tão relaxante e profundo. E pensei: ‘Estou tocando rock and roll. Vou pegar esse ritmo e torná-lo mais rápido e mais rígido para se encaixar em Break On through’.”
Break On Through (To the Other Side) é a primeira música do disco de estreia “The Doors” (1967). Nela, Densmore toca um groove de bateria em que incorpora ritmos inspirados no padrão de clave.
De fato, é notável nessa canção a influência do rock and roll, gênero que surgiu nos anos 1950 e que é caracterizado por ser enérgico e acelerado. “Garota de Ipanema” possui um compasso binário 2/4, porém o rock and roll normalmente utiliza do compasso 4/4. Um dos caminhos para “encaixar” o ritmo da bossa nova nessa música foi a alteração da métrica.
Outro caminho para ajustar o ritmo bossa-novista ao estilo do rock seria aumentar as batidas por minuto (BPM). Mas curiosamente, segundo o site Song BPM, Break On Through (1967) possui 90 BPM, um ritmo que pode ser encontrado em muitas músicas do rock psicodélico dos anos 1960, enquanto Garota de Ipanema possui versões que superam 130 BPM.
O que se observa com isso é que a percepção da velocidade e rigidez de uma música pode ser influenciada por outros fatores além da BPM. Não é preciso ter conhecimento profundo em teoria musical para notar que a música de Jobim e Moraes é mais suave e relaxante se comparada à canção dos Doors, que é latejante.
Os riffs de guitarra, por exemplo, são fundamentais para a rigidez de Break On Through. Se você trocar piano e violão por bateria e guitarra, vai encontrar outra maneira de tornar a estrutura rítmica de uma música mais rápida e áspera.
Considere também a extensão das notas. Garota de Ipanema possui notas mais longas do que Break On Through. A música de The Doors possui notas curtas e dinâmicas e a sustentação delas é menos enfática.
Ainda sobre a relação entre bossa nova e rock, há outro detalhe a respeito de Break On Through que é relevante citar. Em sua autobiografia “Light My Fire: My Life With The Doors”, o falecido tecladista do The Doors, Ray Manzarek, afirmou ter se inspirado no influente disco “Getz/Gilberto”, de João Gilberto e Stan Getz, para executar sua parte na música.
Tudo isso evidencia a capacidade da bossa nova (e do jazz) para produzir influências em bandas dos Estados Unidos. O fato de Garota de Ipanema ter inspirado o ritmo de uma música de The Doors, uma das grandes bandas de rock da história, deve ser motivo de orgulho para a cultura brasileira.