A triste decadência de Roberto Carlos

A TRISTE DECADÊNCIA DE ROBERTO CARLOS

Miguel Carqueija

 

Ontem estava passando o especial natalino de Roberto Carlos. Mais interessado em assistir um dvd, além do fato de que evito a Globolixo, mesmo assim, por respeito à década de 1960 e às centenas de vezes em que assisti o programa da Jovem Guarda, que então passava na Tv Rio, dei algumas olhadas no especial.

Acho sempre triste e constrangedor esse programa exibido anualmente pela Rede Globo e que nos últimos dois anos nem foi feito, substituído por colagens. Sim, porque é impossível a quem viveu aquela época, não recordar aquele que foi o melhor programa musical da televisão brasileira, o que trazia mais alegria aos espectadores, inclusive da platéia. Quantos nomes de talento e simpáticos desfilaram na Jovem Guarda: Ronnie Cord, Demétrius, Cleide Alves, Meire Pavão, Martinha, Ary Sanchez, Ed Wilson, The Golden Boys, Os Vips, Toni Campelo, Jean Carlo, Enza Flori, Trio Esperança, The Jet Blacks, Wilson Miranda, Prini Lorez, Jorge Ben, The Jordans, Nalva Aguiar, Sérgio Reis, Luiz Airão, Rosemary, The Pops, Agnaldo Rayol, Idalina de Oliveira, Ana Maria, Wilson Simonal, Agnaldo Timóteo, Vanusa, Rossini Pinto e tantos outros.

Um dia Roberto Carlos, aparentemente cansado da Jovem Guarda, sumiu-se para a Itália deixando o programa a cargo de seus dois parceiros Wanderléa e Erasmo Carlos. Voltou de lá com a fama de ter ganho o Festival de San Remo com uma canção de Sergio Endrigo, a “Canzone per te”, por sinal chatíssima. Na verdade o grande vencedor foi o cantor e compositor Endrigo, pois as músicas eram apresentadas por dois intérpretes. Roberto Carlos foi o segundo intérprete, participando do prêmio.

Roberto Carlos não retornou à Jovem Guarda e esta teve vida curta. Ele era a locomotiva, parece que a maioria dos intérpretes que alegremente se reuniam naquele ambiente não tinham um esquema pessoal muito sólido; nem foram apoiados pela mídia, mais interessada na MPB e no tal movimento “tropicalia”, que era uma coisa a meu ver horrível.

O fato é que RC foi fisgado pela Globolixo. Ele assinou um contrato exclusivo e milionário com a poderosa, e assim o ex-líder da Jovem Guarda vendeu a sua alma ao diabo.

A Globolixo sequestrou Roberto Carlos de seu público. Nada mais daquele contato semanal. RC não podia se apresentar em outras emissoras, parou de fazer filmes, não ia nem nos programas da própria Globo. Assim, tirando fora os “shows” que fazia e os discos que gravava, ele ficou nos especiais de fim de ano, convidando artistas medíocres porém da hora e sem afinidade com a Jovem Guarda. Desta mesma, afora Erasmo e Wanderléa, só tenho conhecimento dele ter recebido o Jorge Ben certa vez. E isso, com certeza, porque o Jorge Ben atravessava uma fase de excepcional sucesso.

Ontem, nos poucos minutos em que liguei no programa especial, não vi nada de interessante. A Ivete Sangalo dizendo “te amo” para o Roberto, sem dúvida ele continua sendo endeusado. Uma Wanderlea toda produzida, sem aquela espontaneidade do tempo em que ela ia de calça "jean", como uma Rita Pavone (seguia um pouco o estilo da princesa do rock italiano). Ao invés, a antiga musa da Jovem Guarda vestia um traje de luxo e de muito mau gosto. Erasmo Carlos, se antes não tinha voz, nem sei o que dizer agora. O próprio Roberto Carlos tornou-se um cantor apático, embora seja afinado e expressivo, ele tem gravações excelentes com sua voz pequena. Ele quase não se move mais no palco, pouco ri, ficou muito sem graça e vive do passado.

Pior: o luxo. O elitismo do programa global. Palco imenso, efeitos luminosos, roupas de gala. Nos velhos tempos da Jovem Guarda um palco pequeno, modesto porém suficiente, artistas bem espontâneos, público jovem na maioria e descontraído. Transmissão em preto-e-branco. Mas até Ataulfo Alves foi lá.

Eu dou razão ao Eduardo Araújo num vídeo recente do youtube, onde o roqueiro se queixa de ter Roberto mudado de atitude quando mudou para o Rio de Janeiro, tornando-se arredio, abandonando as amizades antigas e fazendo outras. A sua defecção tornou muitos artistas órfãos e o movimento não se consolidou. Nunca mais houve nada parecido.

Ah, Roberto! É muito triste ter entrado para essa emissora imunda com menos de 30 anos, deixando aquele ambiente simples, trocando tudo pela sofisticação e elitismo, e chegar aos 80 na mesma situação!

 

Rio de Janeiro, 23 de dezembro de 2021.