Raul Seixas, a constelação
Raul, “Maluco Beleza”, “Metamorfose Ambulante”, “Profeta” – meteoro sonoro que percorreu as plagas brasileiras nas décadas de 1970 e 1980, aquele que, como afirmou, não teve nada a ver com a linha evolutiva da música popular brasileira. Raul surgiu musicalmente na esteira da chegada do rock and roll no Brasil. Seus primeiros passos foram calcados nas trilhas da jovem guarda, com baladas românticas e açucaradas. Mas ele logo deu seu salto para além das convenções, quando produziu o visceral LP “Sociedade da Grã-Ordeom Cavernista” que em plena ditadura militar, que alardeava pregava os milagres econômicos daqueles tempos, alertava que o milagre não era bem assim: “Formado, reformado, engomado/Num sorriso fabricado pela escola da ilusão”.
E assim foi ao longo de sua carreira, sempre soltando seu grito primal, desconfiando da ordem natural do dia, do momento, do poderoso de plantão. Mais do que cantar, Raul foi profeta e filósofo, elevando a música popular a patamares estelares, para além dos modismos de ocasião. Seu sucesso sempre esteve ancorado numa profunda reflexão sobre a vida e as relações humanas, na busca de entender o sentido profundo da existência humana.
E se não estava preocupando em seguir fórmulas e modas passageiras, Raul pode fazer da experimentação sua lei e, assim, buscar misturar influências externas e internas sem se apegar a nacionalismos e também sem se entregar a um estrangeirismo vazio. Juntou Elvis Presley, de quem era aliás, fã inveterado, com Luiz Gonzaga, fazendo assim um rock com sotaque de baião, com cheiro de sertão, ao mesmo tempo que espelhado nas luzes urbanas.
Fugindo dos rótulos, nunca se assumiu como um “cantor de protesto” e, no entanto, sua obra se atualiza a cada momento em que o país afunda nas mazelas mais profundas e repetitivas, que ele, com seu olho mágico de ator, cantor, filósofo, flagrava e jogava na cara da sociedade conformada. Dessa maneira, a música de Raul se transfigura para fora de seu tempo e, a cada momento, se torna presente. Não é mais jovem guarda, não é mais início do rock no país, não é o rock Brasil dos anos 1980, não é baioque, é puro raulseixismo.
Intensa, mordaz, sonora, misturando filosofia e História, misticismo oriental e rebeldia, poesia urbana e cordel, se equilibrando nas guitarras e sanfonas que muitas vezes ele misturou, traçando arco-íris sonoros que ainda estão longe de serem alcançados e, por isso, não deixou seguidores, no máximo covers que o reverenciam, entendendo que sua obra é mais do que tudo original e única.
Não se iludiu com o “ouro de tolo” e por isso pagou o preço alto de viver conforme uma metamorfose vive, sempre buscando sem nunca encontrar mas deixando pelo caminho diamantes e estrelas que iluminam com brilho de uma galáxia a música popular brasileira.