Escutando uma canção do palhaço e uma canção do Rei
No ano em que nasci, o palhaço Carequinha lançou um disco em que se ouvia a canção O Bom Menino, gravada por ele com um coral de crianças. Essa música foi muito tocada no rádio e eu a ouvi inúmeras vezes. Naquele mesmo ano, o cantor Roberto Carlos também lançou um disco com canções românticas. Uma das faixas era a Louco Por Você, que eu não ouvi tocar na rádio da minha cidade e eu só vim escutá-la em 2003, ou seja, 42 anos depois. A letra da música do Carequinha adverte para o bom comportamento do menino, e não da menina, que aquele não deve bater na irmãzinha, que deve ir a escola e na escola aprender sempre a lição. Na música gravada pelo Roberto, a letra fala de beijo, de um eu lírico que quer ser cada vez mais louco, louco por sua amada. Em se tratando de letras, observa-se que uma é infantil e a outra é juvenil, ambas dirigidas aos tipos da época. Para alguém menos musical a coisa se encerra por aí, mas, advirto que o bagaço ainda tem caldo. Na minha infância eu ouvi a música do Carequinha e é certo que a recordo com mais nitidez do que a outra que só vim escutar décadas depois. Porém hoje, depois de “escutá-las” por várias vezes com um bom head-fone, avalio o instrumental, a tonalidade, a linha melódica, a interpretação dos dois cantores e seus vocais. Há uma verdade além da letra, há algo que é música em si e por si só, quase que totalmente pura, que estou certo de que é possível se sentir e apreciar. Pelo fato de gostar de cantarolar sem pronunciar exatamente as letras das canções, e as vezes só assobiá-las, as duas melodias que citei, são excelentes pedidas. Não é preciso ser músico, ou ter ouvido absoluto para se saber as notas do contrabaixo na música infantil do Carequinha, nem os acordes do piano na música do Roberto, somente a melodia já é o bastante nesses casos. Mas é claro que o pano de fundo que é o arranjo, está em evidência e diz muito, como a voz dos intérpretes também contêm algo de veemente, de expressivo, sincero e verdadeiro, além disso há ainda uma coincidência sonora, o que não significa plágio. Na música do Palhaço quando ele canta a frase inicial: “O bom menino”, faz uso de 4 notas da escala, si bemol, sol, fa e mi bemol, curiosamente essa mesma frase musical já fora tocada há mais de um século, um tom abaixo, na parte maior do concerto n° 1 para piano e orquestra do compositor russo Tchaicovsky. E aí fico a pensar: Será que há algo de novo debaixo do sol?