ESTUDO DO NEGRO NA LITERATURA
INTRODUÇÃO
Falar sobre negro no Brasil é mexer com um discurso que há séculos vem sendo evitado, calado, interditado. Sendo o país um estado de amplitude negra desde o seu nascimento, nunca se identificou com a sua realidade miscigenada e altamente negróide. Absorvido pelo discurso eurocêntrico, o Brasil, sempre buscou calar a voz negra que não intimidada, passou a gritar de várias formas como um discurso amordaçado e inibido. A voz do negro no Brasil nunca deixou silenciá-se. As várias revoltas, fugas individuais ou em grupos, as iniciativas de formação de quilombos, tomando como uma voz de alto e bom som “Palmares”, foram formas de resistência e ecos do grito negro brasileiro.
Negando os direitos civis aos negros, a política brasileira sempre o colocou como sendo subalterno e inferiorizado, mas, mesmo não tendo recursos políticos ou mecanismos de relações para troca de poder, o negro vem resistindo a todas as intempéries criadas pelo discurso do branco, pois identificando as brechas e falhas do discurso hegemônico, conseguindo a grandes custos e tempos audição para a sua voz.
Essas iniciativas inspiraram o povo negro do Brasil em sua luta pela cidadania plena, e, podemos citar estratégias como a absorção do discurso hegemônico, o crescente envolvimento nas artes, literatura e esportes, a valorização das religiões afro-brasileiras e a volta aos traços antropológicos, alem das formas de embranquecimento mascarado (Lélia Gonzáles/ Silviano Santiago).
Em busca de sua identidade cultural o negro brasileiro retorna à África reconhecendo-se, conscientiza-se e daí em diante a sua voz passa a ser ouvida na musica, na poesia, nas artes, na religião, nos esportes e em todo o cotidiano desta nação que nunca poderá fugir das suas raízes, transformando assim em uma outra forma de revolução.
Resta agora o apagamento do preconceito racial ou do anti-racismo vigente que certamente é uma outra luta que o negro deve enfrentar, pois alem das discriminações explicitas em jornais e revistas de todo o Brasil, segue-se à mídia televisa com a sua crescente e perversa forma de racismo mascarada, perpetuando a grande distancia socioeconômica entre pretos e brancos, pobres e ricos respectivamente. Desta forma o nosso país mostra que existe uma separação visível entre essas duas classes que qualifica a desigualdade social como forma implícita de racismo. (Da Matta, 1990).
A VOZ DO NEGRO BRASILEIRO
MEUS DIREITOS
Edson Gomes
Oh! Mamãe África!
Oh! Ai!
Oh! Mamãe África!
Oh! Mamãe África!
Ê! Ai!
Oh! Mamãe África!
Tanto tempo que a gente está aqui, no Brasil.
Tanto tempo que a gente está assim, no Brasil.
Tanto tempo que a gente está aqui, no Brasil.
Tanto tempo que a gente está assim
Sem ter educação,
Sem ter oportunidade,
Sem ter habitação,
Sem ser negro da sociedade.
Somos alvos da incoerência,
Vitimas da prepotência dos racistas,
Dos racistas,
Dos racistas.
Quero meu direito de crescer na vida.
Quero sim!
Quero meu direito de vencer na vida.
Quero meu direito de vencer na vida.
Eu quero sim!
Quero meu direito de vencer na vida.
Oh! Mamãe África!
Oh! Ai!
Oh! Mamãe África!
Oh! Mamãe África!
Ê! Ai!
Oh! Mamãe África!
Quero meu direito de ser o que eu quiser ser.
Quero ter direito de ser o que eu quiser.
Quero meu direito de ser o que eu quiser ser.
Quero ter direito de ser o que eu quiser.
Somos alvos da incoerência,
Vitimas da prepotência dos racistas,
Dos racistas,
Dos racistas.
Quero meu direito de crescer na vida.
Quero sim!
Quero meu direito de vencer na vida.
Quero meu direito de vencer na vida.
Eu quero sim!
Quero meu direito de vencer na vida.
Oh! Mamãe África!
Oh! Ai!
Oh! Mamãe África!
Oh! Mamãe África!
Ê! Ai!
Oh! Mamãe África!
ANÁLISE DA MÚSICA “MEUS DIREITOS” DE EDSON GOMES
É uma das mais belas musicas reivindicatória, protestantes e consciente. É o discurso do negro na sua mais completa expressão de identidade, consciência social e civil, e, reivindicação política.
Edson Gomes acredita no poder da musica, assim como tantos outros negros. Tem identidade, quando repete como um clamor “Oh! Mamãe África”. É um chamamento para a condição de ser negro no Brasil, ao mesmo tempo em que é uma desconstrução da carga negativa de origem. A África é a sua mãe, a sua identidade, é a cor de sua pele, a negritude, a historia, a sua formação. Com esse chamamento ele faz uma retomada da historia do negro, tanto na África quando eram livres, quanto no Brasil quando escravizados. Retrata fundamentalmente a questão hegemônica em que o poder hierárquico discriminatório “marcou” o povo negro com uma carga historicamente negativa.
Chama atenção para o fato de apesar de tantos anos terem se passado o processo historicamente construído, continua presente nas relações atuais, reproduzindo o estereotipo de que se negro é ser escravo, subalterno, ignorante, analfabeto e outros.
“Assim, a cor de um individuo nunca é simplesmente uma cor, mas um enunciado repleto de conotações e informações articuladas socialmente, com um valor de verdade que estabelece marcas de poder, definindo lugar, função e falas”. (Leda Maria Martins, A Cena em Sombra pg. 35).
Nos versos seguintes Edson Gomes deixa mais clara essa construção quando diz:
“Tanto tempo que a gente está aqui, no Brasil”.
“Tanto tempo que a gente está assim, no Brasil”.
“Tanto tempo” é certamente uma alusão aos 300 anos de escravidão e descaso ao povo negro no Brasil. “Tanto tempo que a gente está aqui, no Brasil” é tempo demais para se esconder às aberrações praticadas contra o povo negro e não é com uma frase – “Nós nem cremos que escravos de outrora, tenha havido em tão nobre país” – que o problema seria resolvido, nem com uma política de “cotas” para ingresso nas universidades ou mesmo no serviço publico, noticia que obtive quando digitava este trabalho, acabará com o problema. Creio que este tipo de política, criar 20% de vagas no serviço publico para o negro, mascara o preconceito racial e a segregação social, mas é uma forma de reparação sim da violência praticada contra o negro.
Toda essa problemática passa por um reconhecimento pela sociedade da importância histórica desta etnia na construção da nação brasileira, pela inclusão do negro como signo positivo no contexto brasileiro, pois os termos mulatos, negros, mestiços, pardos, carregam construídos pelo discurso eurocêntrico, o negativismo da exclusão. (Martins, op, cit. P. 35).
“Tanto tempo que a gente está assim: sem ter educação, sem ter oportunidade, sem ter habitação, sem ser negro na sociedade”.
À medida que adentramos ao texto, a denuncia fica cada vez mais seria e gritante, pois a segregação, o confinamento do negro é visitado desde a senzala até às favelas atuais, o único direito que foi dado ao negro “liberto” pela chamada Lei Áurea: sair pela porteira da fazenda, vagar de norte a sul do país de mãos vazias à procura do nada, sem realmente ter direito à educação, oportunidades, habitação, lugar de igualdade social, enfim, sem lugar para morar.
Marginalizado e excluído resta ao negro a misericórdia de alguns e os ignóbeis lugares e funções: favelas e guetos, garis e lavadeiras a outros, limpadores das sujeiras dos brancos.
A busca pelo reconhecimento passa pelo discurso, pois a sua voz deve ser ouvida. O discurso do poder passa pelo saber. E a educação é reivindicada como estratégia de ascensão social.
“A preocupação com a educação é uma constante. O negro deve educar-se para “subir na vida” conseguir demonstrar que ele também pode chegar aos mesmos níveis do branco através do aprimoramento educacional (Clóvis Moura, Sociologia do negro brasileiro, 1981. pg. 205).
Conscientizar o negro dessa necessidade era e é a luta do negro engajado, tendo à sua frente uma barreira enorme: a absorção pela maioria negra de que a educação é coisa de brancos, de que são inferiores (rudes) no saber, de que a sua condição é mesmo esta; aliado a tudo isso, a miséria do dia a dia, às angustias e o desespero individual das lutas sem sucesso, provocando a busca das drogas e vícios para o esquecimento da sua condição.
Mas expoentes negros do Brasil a todo o momento alçam suas vozes em alerta, como por exemplo, Edson Gomes. O certo é que tanto na educação como na distribuição de terras e renda, assim como na política de habitação o negro é excluído do processo, por não ter dinheiro, não se enquadrar no modelo social, por serem-lhes negados os direitos.
“Sem ser negro da sociedade”. Esta é mais uma afirmação altamente consciente da segregação social sofrida pelo negro, prova disto é a política de “cotas” que está sendo estabelecida como forma equilibrada do problema. É o resultado das lutas travadas pelos grupos de negros conscientes espalhados por todo o país, expressando através da imprensa, da musica, da dança, do teatro e do futebol, alem de palestras e seminários conscientizadores da condição do negro, tornando-se veículos eficazes de propaganda negra no Brasil.
Os currais, guetos, favelas espalham-se por todas as cidades brasileiras como denunciadores dessa desordem social que foi construída historicamente. Não podemos mais esconder este problema debaixo do tapete. É urgente uma política de inclusão do negro nos níveis sociais brasileiro.
“Somos alvos da incoerência, vitimas da prepotência dos racistas, dos racistas, dos racistas”. Apesar de legalizada a garantia dos direito sociais a todas as etnias no artigo 3º da Constituição Brasileira, inciso IV, os mesmos não são respeitados quando se referem ao negro. O racismo e o anti-racismo praticado no Brasil foram estudos realizados por Florestan Fernandes (1965), denunciando o mito da democracia racial e mostrando a desigualdade social como resultado desse processo. O certo é que ao negro é negado o direito de ser negro amplamente.
“Na ânsia de prevenir tensões raciais hipotéticas e de assegurar uma via eficaz para a integração gradativa da população de cor, fecharam-se todas as portas que poderiam colocar o negro e o mulato na área dos benefícios diretos do processo de democratização dos direitos e garantias sociais”.(Fernandes, 1995, pg. 23).
No Brasil ainda o preconceito de cor e mascarado pela chamada democracia racial que nada mais e que um racismo à brasileira. Os vários discursos pejorativos criados durante toda a historia social brasileira em relação ao negro ainda hoje perduram: “Negro e mau bicho, quando não suja na entrada, suja na saída”; “Negro e como a noite sem estrela: e perigoso”; “Negro e como urubu, só serve para limpar o mundo”; “Negro e como macaco só tem fedor e ousadia”e tantas outras expressões que são repetidas indiscriminadamente, como se fosse normal, dito popular e não crime.
Toda essa mascaracão de racismo à brasileira, sem punição, prorrogara o dia em que a sociedade brasileira enfrentara este problema do racismo sem eufemismos nem descréditos, começando um novo período da nossa historia onde o negro tenha realmente voz e voto, sem ter mais necessidade de Edson Gomes e tantos outros gritarem: “Quero meu direito de crescer na vida. Quero sim. Quero ter o direito de vencer na vida” e todos nos, índios, pretos, brancos, amarelos, mulatos, mestiços, enfim, brasileiros ouçamos, não “um grito soberbo de fé”, mas um canto de alegria.
CONCLUSÃO
À guisa de conclusão, desconstruir essa visão já hierarquicamente forjada e tarefa extremamente trabalhosa, pois não passa somente pelo fato de criar condições especiais para os negros como cotas nas universidades e nos serviços públicos, abrir as escolas às comunidades negras, incluir sua historia na historia oficial sem a carga negativa, revitalizar suas crenças e culturas, mas sim uma conscientização de toda população da importância do negro na formação desta nação e da identidade nacional que passa por esta esfera negroide, empresa que demandara algumas décadas de esforços contínuos.
A miscigenação e a mulatizacão deixara então de ser uma forma de embranquecimento para se tornar uma marca do hibridismo nacional, assim como a pluricultura brasileira será significativamente nacional.
Se continuarmos fugindo deste enfrentamento a população negra brasileira continuara nestes caminhos tão desiguais: lutar pelo enriquecimento a qualquer custo ou embranquecer-se de qualquer forma. Todavia nenhum nem outro os tirara dessa posição tão incomoda.
E a individuação, a troca, o reconhecimento do outro, da sua cultura, no respeito mutuo, que certamente o fará sair dessa posição de subalternidade. (Touraine, Igualdade e Diversidade, O sujeito democrático).
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