Quando Rita Pavone superou os Beatles

QUANDO RITA PAVONE SUPEROU OS BEATLES
Miguel Carqueija


Quase ninguém se lembra mas no ano em que veio pela primeira vez ao Brasil, ou seja, 1964, nossa querida Rita Pavone, que eu reputo a melhor e mais simpática cantora do mundo, foi a primeiríssima na vendagem de discos em nosso país. Por muito tempo eu guardei o recorte do jornal “O Globo” e de sua coluna discográfica. Naquele tempo existiam informações mais sérias que na imprensa de hoje. E bem, tanto nos compactos simples como nos elepês (porque não existiam os cedês) Rita Pavone foi primeiríssima. Ela estava em primeiro lugar de vendagem tanto em LP como em compacto, isso considerando a vendagem do ano inteiro. E mais: nas duas listas apareciam outros discos seus e também álbuns mistos italianos onde ela também comparecia.
Foi uma apoteose de Rita Pavone.
E os Beatles? Estavam lá, claro. Mas abaixo dela nas duas listas.
Lembro que também apareciam os reis do bolero na época, Carlos Alberto e Altemar Dutra. O Roberto Carlos, com “O calhambeque”; Ronnie Cord com “Rua Augusta”; José Augusto com “Beijo gelado”. Trini Lopez também compareceu, e creio que o Trio Esperança e os Golden Boys. Lá estava ainda o Ary Toledo, mais conhecido como humorista (outro dia mesmo eu o vi na televisão, gordo e envelhecido), cantando aquele dramalhão do sujeito que vem do Nordeste, não consegue nada no Rio e fica na praia de Copacabana, cantando e dançando o xaxado para ganhar algum trocado – e acaba comendo gilete (sic).
Sei também que pouco tempo depois, Rita se apresentou numa praça de espetáculo no Canadá, onde os Beatles haviam atraído um público de 20.000 pessoas. Rita Pavone foi lá e atraiu 22.000.
É claro que, mercadologicamente falando, os Beatles são um sucesso mundial bem maior que Rita, mesmo sendo ela um ícone internacional, uma super-estrela. O fato é que a Itália tem uma fatia do mercado muito inferior aos EUA e Inglaterra.
Contudo, ela podia ter mantido uma situação ainda melhor que o “super-disco de ouro” que recebeu em 1978. Nos anos 60 esteve várias vezes nos Estados Unidos, onde inclusive ocorreu seu histórico encontro de igual para igual com Elvis Presley, nos estúdios da RCA Victor em New York (cfe. “Nel mio piccolo...”, autobiografia de Rita Pavone). E foi convidada a se estabelecer naquele país, havia interesse dos empresários nela. Sua carreira seria alavancada de tal maneira (seu sucesso nos EUA era tanto que várias vezes ela se apresentou “costa a costa” no Ed Sullivan Show, ou seja, em transmissões de tv que eram captadas do Pacífico ao Atlântico – hoje com os satélites isso está superado) que, possivelmente, ela iria rivalizar com os Beatles, Rolling Stones, Presley, em suma.
Mas Rita era menor de idade e seus pais não admitiram a idéia.
Todo o sucesso do mundo, porém, não torna uma pessoa feliz, mesmo no meio artístico. Carmen Miranda foi destruída pelo excesso de trabalho. John Lennon foi assassinado por um fã psicopata. Elvis Presley foi vítima da depressão e da hipocondria. A doce Karen Carpenter morreu vítima de anorexia nervosa.
Rita Pavone foi abençoada por Deus levando uma carreira brilhante mas tranquila, com seu caráter familiar, e está aí até hoje, aos 70 anos.

Rio de Janeiro, 11 de março de 2016.