A MÚSICA POÉTICA E O POEMA MUSICAL
O repertório musical brasileiro possui incontáveis letras de músicas que podem ser qualificadas como verdadeiros poemas. Mas toda letra de música é dotada de poesia? Qualquer poema pode ser transformado em letra de música?
Existem várias possibilidades nesse sentido. Entendo que essas possibilidades surgem a partir da intenção.
Quanto à musicalização de textos, é importante destacar que nem todo poema pode ser qualificado como poema musical. Alguns fatores podem impossibilitar a composição de uma melodia para determinado poema. Dentre eles, podemos citar: a falta de musicalidade e/ou ritmo no texto; o tamanho do texto e o uso de linguagem muito rebuscada ou formal, pois não combinam com a música popular.
Em termos de estrutura, os sonetos são perfeitos para inspirar uma melodia. Por possuírem um tamanho adequado e serem metrificados, eles geralmente são dotados de uma musicalidade natural. Contudo, isso não quer dizer que todos os sonetos têm o condão de se transformarem em boas letras de música.
Mesmo os poemas que não possuem métrica exata podem render ótimas letras. Isso pode ocorrer justamente porque a música é subjetiva e maleável, o que facilita trabalhar com ela. Para compor uma melodia, pode-se estender ou reduzir o tempo das notas, fazer pausas grandes ou pequenas, imprimir um andamento mais rápido ou vagaroso, ralentar o andamento, misturar ritmos... Existem muitas possibilidades e ferramentas para se criar uma boa melodia. Basta ter criatividade, conhecimento musical básico e senso estético.
Um detalhe muito importante para quem deseja musicar um poema é que o compositor deve envolver-se pelo texto e deixar-se levar por seu sentido e musicalidade natural, jamais devendo tentar “impor” a ele uma pré-determinada melodia e/ou ritmo. Isso geralmente não funciona. Talvez esse seja o maior desafio: não deixar transparecer que a música foi feita depois do poema. O ideal é que o resultado seja um “casamento perfeito” entre música e poesia, que dê a impressão de terem sido criadas simultaneamente. O grande problema do poema musicado surge quando se torna possível perceber que a melodia e a letra não se encaixam perfeitamente, dando a impressão de estarem truncadas ou espremidas.
Justamente por ser a música um elemento totalmente subjetivo e maleável, é muito mais fácil inserir a melodia em um poema do que escrever uma letra para uma melodia previamente composta, apesar de parecer o contrário.
Há muitos anos tenho atuado na área literária e musical. Dessa forma, no tocante à musicalização de poemas, acredito que a experiência como poeta facilitou muito o meu trabalho, por me permitir reconhecer e captar rapidamente a musicalidade de um texto poético.
Finalmente, minha recomendação para quem tem interesse em composição musical, seja escrevendo letras para música ou musicando poemas, é ficar atento ao sentido, à musicalidade e ao ritmo do texto ou da melodia que servirem como base, para que o resultado final seja um trabalho harmonioso, no qual letra e melodia complementem-se de maneira que ambas sejam devidamente valorizadas.
(ARTIGO PUBLICADO NA REVISTA "MÚSICA VIVA" DA FAMES - DEZ/2014 - ANO 2 - Nº 6)