A evolução da marcha carnavalesca carioca
Gênero musical caracterizado pelo compasso binário, raramente quaternário, e com o primeiro tempo fortemente acentuado. Segundo o Dicionário Musical Brasileiro, "No Brasil a marcha popularizou-se nos blocos carnavalescos como marcha-rancho e marcha de salão e segue a fórmula introdução instrumental e estrofe-refrão." Já o musicólogo Renato Almeida salienta que, apenas no Brasil, a marcha passou de acompanhamento de passos militares à categoria de dança. Já no século XIX as marchas trazidas ao Rio de Janeiro por companhias teatrais portuguesas faziam sucesso. A primeira marcha escrita especialmente para o carnaval foi "O abre alas", feita pela compositora Chiquinha Gonzaga em 1899 para o Rancho Rosa de Ouro que, com ela, venceria o carnaval. Essa marcha seria sucesso carnavalesco até 1910, e permaneceria nos anos seguintes como um hino de abertura do carnaval carioca. Em 1915, a marcha "A baratinha", de uma revista musical portuguesa obteve grande sucesso e foi lançada como canção carnavalesca três anos depois, em gravação do cantor Baiano. A marcha carnavalesca começaria a se afirmar definitivamente a partir da década de 1920. Desenvolveu-se como gênero característico da classe média carioca e sofreu em seu ritmo influências externas que vão desde o one-step ao charleston norte americano, passando pela marcha portuguesa, além de incorporar boa parte do lirismo e do sentimentalismo de nossa modinha. Jocosas e espirituosas, com sátiras políticas e sociais, as marchinhas foram se popularizando mais e mais. Já na década de 1920, fizeram grande sucesso as marchas "Ai amor", de Freire Júnior, de 1921, e "Saia da raia", de Sinhô, mais conhecida como "Meu bem não chora", gravada em 1922 pelo cantor Baiano tornando-se sucesso por quase uma década. Já nos anos 1920, o compositor José Francisco de Freitas, conhecido como Freitinhas, autor de pelo menos duas marchas de grande sucesso naquela década -- "-Zizinha" e "Dorinha -- meu amor", especializou-se na divulgação das marchas de sua autoria contratando músicos para divulgá-las pelas ruas, além de comparecer a batalhas de confetes e desfiles de cordões munido de cópias de suas marchas. Em 1930, a Casa Edison organizou seu primeiro concurso de músicas carnavalescas e a vitória coube a Ary Barroso, com a marcha "Dá nela", que o lançaria no cenário nacional. A partir de 1932, com o apoio da prefeitura do Rio de Janeiro que instituiu um concurso oficial de músicas para o carnaval, a marchinha viu sua popularidade crescer. A partir da década de 1930, as marchinhas tornaram-se mais e mais populares principalmente a partir da divulgação feita pelo Rádio e pelo cinema. Alguns autores destacaram-se como compositores de marchinhas, tais como Lamartine Babo, Nássara, João de Barro, o Braguinha, Wilson Batista, Haroldo Lobo e Alberto Ribeiro. O mesmo se deu com diversos cantores e cantoras que se consagraram, interpretando marchas carnavalescas, como foi o caso de Carmen Miranda, Aurora Miranda, Dircinha Batista, Linda Batista, Emilinha Borba, Marlene, Francisco Alves, Orlando Silva, Silvio Caldas e muitos outros. Algumas marchinhas tornaram-se clássicas e atravessaram as décadas sendo cantadas pelos foliôes. Na década de 1930, foram destaque: "Taí", de Joubert de Carvalho e primeiro grande sucesso de Carmen Miranda; "Mamãe eu quero", de Jararaca e Vicente Paiva; "O teu cabelo não nega", dos Irmãos Valença e Lamartine Babo; "Linda morena", de Lamartine Babo; "A jardineira", de Benedito Lacerda e Humberto Porto; "Linda lourinha", de Braguinha, entre outras. Na década de 1940, os grandes sucessos foram "Ala-la-ô", de Nássara e Haroldo Lobo; "Aurora", de Mário Lago e Roberto Roberti; "Eu brinco", de Pedro Caetano e Claudionor Cruz, esta lançada por Francisco Alves em plena segunda guerra mundial. Na de 1950, destacaram-se "Touradas em Madri", "Chiquita bacana" e "Yes nós temos banana", de Braguinha e João de Barro; "Tem nego bebo aí", de Mirabeau e Airton Amorim; "Cachaça", de Mirabeau, Lúcio de Castro e Héber Lobato; "Saca rolha", de Zé da Zilda, Zilda do Zé e Waldir Machado; "Sassaricando", de Luis Antônio, Jota Junior e Oldemar Magalhães, e muitas outras. A década de 1960 começou a marcar a decadência das marchinhas carnavalescas, muito embora muitas delas ainda fizessem sucesso e algumas se tornassem mesmo clássicas como foi o caso de "Me dá um dinheiro aí", de Homero Ferreira, Glauco Ferreira e Ivan Ferreira; "Olha a cabeleira do Zezé", de João Roberto Kelly e Roberto Faissal; "Mulata bossa nova", de João Roberto Kelly; "De marré marré", de Raul Sampaio, "Índio quer apito", de Haroldo Lobo e Milton de Oliveira, "A marcha do remador", de Antônio Almeida e Oldemar Magalhães, "Máscara negra", de Zé Kéti e Pereira Matos, e outras. A década seguinte viu surgirem as últimas marchinhas a fazerem sucesso como foram "A pipa do vovô", de Ruth Amaral, e "Maria Sapatão" lançada pelo comunicador Chacrinha. Ainda na década de 1970, a decadência do carnaval de rua praticamente sepultou a marchinha que, ainda assim, apareceu uma vez ou outra, a partir de alguns concursos carnavalescos, ou então, através de regravações como foi o caso de "Festa do interior", de Braguinha e Alberto Ribeiro, gravada inicialmente por Carmen Miranda em 1937, e relançada com grande êxito por Gal Costa em 1983. Mesmo sem ter conseguido ainda um retorno ao seu tempo áureo, as marchinhas permanecem fazendo parte ativa no carnaval carioca, uma vez que não há bloco, novo ou antigo, que não desfile embalado pelos versos e pela melodia de uma antiga marchinha carnavalesca, cujos clássicos vão sendo repetidos ano após ano pelos pelas gerações de foliões. E não custa lembrar que o hino oficial da cidade do Rio de Janeiro, "Cidade Maravilhosa", de André Filho, é na verdade uma marcha carnavalesca.
Paulo Luna