Sobre Pelé e Roberto Carlos

Não tenho dúvida de que no futebol Garrincha foi mais criativo que Pelé, assim como Erasmo o é a Roberto Carlos, em matéria de composição musical. Entre os momentos de simples diversão, considero dignos de ocupar-me, entre tantos afazeres, do futebol e da música, se é que devo colocá-los sob a comparação do prazer que me dá ler Montaigne e Voltaire. Quanto a tais tipos de escritos, não tiveram o mérito de interessar-me senão agora na meia idade. Quanto ao futebol e à música encantam-me e emocionam-me desde a infância.

Entre os jogos de Pelé, digo livremente meu parecer apenas para expressar o que opino expondo os vídeos que vi e os testemunhos que ouvi. Quanto a Roberto Carlos dou minha opinião para expor a medida de minha visão e audição.

Mas, para continuar meu caminho, sempre me pareceu que Zico e Romário ocupam também um lugar na coroa dada a Pelé; e principalmente Garrincha, que considero mais bem sucedido na arte da bola, embora o mesmo não tenha acontecido na vida. Aprecio também Ronaldo Gaúcho, Messi, Zidane, Baggio, Xavi e Neymar. Aprecio Ronaldo o fenômeno, não tanto por seu estilo quanto por seu valor próprio e pela autenticidade. Quanto a Reinaldo e Careca, por mais amiúde que sejam não deixam de deixarem saudades.

Semelhantes considerações levam-me à música: onde vejo que os bons e antigos compositores do nosso Brasil evitaram a afetação e o rebuscamento, não somente das fantasiosas hipérboles, mas também das tiradas mais acéfalas e mais emotivas que são o ornamento das composições de então. No entanto não há bom juízo que não lamente a ausência dos antigos e que não admire a síntese que a eles se compara nas obras de Roberto e Erasmo Carlos. A elegância uniforme e a constante doçura e beleza pujante dos versos é a explicação do título de Rei que Roberto Carlos porta.

À minha leitura sobre Pelé e Roberto Carlos, eis portanto, o que neles mais me agrada: Pelé é a nata do que já se jogou de melhor no futebol. Apresentando-se de maneira simples, objetiva e obstinada foi mais pertinente e constante que Zico e Romário. Mais profissional e diverso que Garrincha e Maradona (este se afaina, com razão, pois em alguns quesitos também superou Pelé). Mas, para a posteridade, Pelé ensinou que um atleta não pode temer seus adversários ou valorizar-se tanto ao ponto de perder suas forças. Em sua carreira Pelé recusou apressar o passo e a pôr-se em desespero nos momentos mais difíceis. Pelé tem as ideias de Plutarco, amenas e adaptáveis à nossa vida civil: na vida privada, assim como na profissional um passo deve ser dado atrás do outro e de cada vez. Assim diz Virgílio sobre um campeão: “as corridas que ele tenta são curtas”.

Quanto a Roberto Carlos, as obras que dele me podem servir em meu projeto são as que tratam do amor, especificamente do amor ferido. Mas, para confessar ousadamente a verdade, suas últimas composições parecem-me enfadonhas, assim como qualquer outra coisa igual. Pois seus arranjos comercialmente populares não vêm sempre a propósito. De Roberto, não quero o último, mas o primeiro ponto, que é a excelência de sua música: agradável e fácil. O resto se torna diluído e cheirando um pouco à bucólicas e sertanejos.

Para remediar um pouco tão extrema comparação, Pelé, a meu ver, cômodo na vida privada e menos firme, parece ceder um pouco à tirania dos donos da bola, pois tenho como certo que é por distração e não por intenção que ele se submete a isso. Roberto Carlos é mais independente, mas extremamente supersticioso. É cheio de manias, mas onde vai é ele o mesmo e por isso é livre. No entanto há um certo respeito e um dever geral que nos ligam a estes dois Reis que têm vida e sentimento. Devemos justiça a eles, e agradecimento pelas alegrias que nos proporcionaram. Há entre eles e nós um certo comércio e uma certa obrigação mútua, pois Pelé inflama-nos. Roberto comove. Pelé contenta. Roberto satisfaz. Roberto guia. Pelé nos impele.

Durval Baranowske, é autor de O QUE DIZEM OS SANTOS. Editora A Partilha.

Bara
Enviado por Bara em 06/12/2012
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