O Rei do Rock brasileiro - Raul Seixas
Agora em 2012, fazem 23 anos que Raul Seixas embarcou num disco voador em direção às estrelas. Antes de partir foram mais de 25 anos de uma carreira que misturou agonia e glória, mas que, parafraseando o velho Getúlio Vargas, fez dele um astro que saiu da vida para entrar na História. Hoje, duas décadas depois, pode-se verificar que ele ocupou plenamente o posto de maior nome do rock nacional em todos os tempos. E como ele já dizia há dez mil anos atrás, “não tinha nada a ver com a linha evolutiva da música popular brasileira”, podemos situar sua obra como surgindo a dez segundos do caos, num estrodondo estratosférico revirando os baús das certezas.
Sendo um ritmo musical nascido em outras plagas, em outras terras, fruto de outros desenvolvimentos musicais, econômicos, populacionais e urbanos, o rock surgiu numa fase em que, no Brasil, o nacionalismo estava na ordem do dia, discutido, debatido, vomitado, rasgado, dilacerado, esperado, desgastado e ridicularizado. Mas, mesmo assim, gerou forças que impuseram debates, nem sempre muito lúcidos, sobre origens e raízes. Para não ir muito longe, basta lembrar que em pleno 1967, quando os Beatles e os Rolling Stones, Jimmi Hendrix e outros seguiam o Sargent Peppers numa jornada mundial, no Brasil ainda se fazia passeata para protestar contra o uso de guitarras em nossas plagas.
Discutir se o rock, não sendo de origem nacional brasileira devia ou não ser cultivado em nosso país, equivale a questionar se o futebol, também não sendo nacional deveria ser jogado por aqui. Ambos os debates ocorreram e foram sepultados pelo tempo. No caso do rock, seu surgimento se deu com a geração pós guerra acossada pela possibilidade de outra guerra maior e pior ainda, a nuclear. Portanto, necessitada de novas formas de expressão que não as daquelas gerações que levaram milhões à morte pela carnificina da Segunda Guerra Mundial. É lógico que o rock chegou aqui através das fronteiras, e aqui foi tomando forma, embora, evidentemente, no início, fosse muito mais uma tradução do que uma criação. Mas se as angústias de nossa juventude não eram as mesmas da norte americana e europeia, tinha seus pontos de encontro, fosse nos costumes paternalistas e arcaicos não mais condizentes com a crescente vida urbana, fosse pela necessidade de novas formas de expressão.
Um dos primeiros a tentar traduzir o rock de forma nossa o rock foi o negro Fulgêncio Santiago, o Baby Santiago, com o “Rock do saci”, que, no entanto, parou nos passos iniciais. Pouco depois, entrava em cena a Jovem Guarda, que realmente deu passos fundamentais na “nacionalização” do rock no Brasil. No entanto, ouvidos hoje, muitas das obras que consagraram os ícones Erasmo Carlos e Roberto Carlos soam agora bastante anacrônicos, em que pese a solidez sonora de muitas das composições do período gravadas por eles ou por Wanderléa ou por Lafayete.
O passo decisivo na criação de um rock que ultrapassasse nossas fronteiras, ao mesmo tempo em que fincava raízes em musicalidades locais, sem perder o poder de dizer tudo aquilo que somente um bom rock pode dizer, somente foi dado por Raul Seixas. Primeiro, Raul teve que ultrapassar a própria Jovem Guarda com a qual flertou quando o movimento já se encontrava no ocaso, seja acompanhando o cantor Jerry Adrini, com sua banda Os Panteras, seja produzindo músicas do próprio Jerry e de outros artistas da Jovem Guarda, ou mesmo no LP “Raulzito e os Panteras”, de 1968. Nesse disco, aliás, as composições solo de Raul são apenas três: “Menina de Amaralina” e “Dê-me tua mão”, baladas mais próximas da Jovem Guarda do que daquilo que ele faria depois, e “O trem cento e três” em que se pode ver um pouco do que ele iria produzir depois.
Depois de um mergulho nos porões de sua alma, Raul Seixas emergiu com “Let me sing”, que inaugurava a mistura rítmica e existencial que faria de sua obra um ponto alto e luminoso no rock brasileiro. Nada do que foi feito antes ou depois pode superar o que ele lançou em disco entre 1972 e 1988. Quem mais se aproximou foi Marcelo Nova, ex- Camisa de Vênus, não por acaso colocado como seu herdeiro.
O rock de Raul tem a força sonora que é imprescindível a qualquer bom rock and roll, somando-se a isso letras que ultrapassam o eventual e momentâneo, mal que assola boa parte da produção de bandas do chamado rock Brasil e mesmo de antes ou depois, presos nas malhas do momentâneo. Mesmo em suas composições que tocam na temática amorosa, o faz de uma forma que mistura a ironia e a angústia de tal maneira que ficam também além do seu tempo.
A angústia existencialista do rock raulseixista envereda por ruas e vielas, becos e sendas que ultrapassam o simples e eventual do tempo presente e se fixam na angústia humana da existência, e enquanto nossa sociedade for essa prisão disfarçada de parque de diversões e a liberdade humana for apenas mais um produto a ser consumido nas prateleiras, seu rock, seu grito estará embalando os que sonham com os discos voadores nas manhãs ensolaradas da liberdade plena.