ESPAÇO RESERVADO PARA MÚSICOS PROFISSIONAIS.
Confesso que escrevi este texto faz tempo e fiquei inseguro em publicar aqui.Porque sempre quando se fala em Técnica Vs Feeling, a polêmica toma conta geral.
Isso, quase sempre ocorre, porque movido pelas paixões, deixamos de analisar alguns fatos importantes, que vão muito além do ouvido absoluto, facilidades, dedicação, disciplina, senso estético e tudo mais que envolve tocar um instrumento... o ser humano.
Para compreender melhor o porque de algumas diferenças é preciso de despir de preferências, tentar se desenquadrar de uma ou outra realidade e olhar o outro, o seu semelhante, olhar além de seu umbigo, de suas qualidades ou preferências, e acima de tudo, tentar se libertar da tendência natural de quase todo ser humano...”a de estar sempre certo”.
Com a base, de algumas décadas, ligado a músicos de vários estilos, características e padrões diferentes, pude observar alguns aspectos que, se analisados com atenção, nos guiam melhor nesse imenso oceano de diferenças.
O fato de alguém ser muito intuitivo não o desqualifica tecnicamente, assim como o de alguém ser muito técnico não o destitui de emoções.
No entanto, esta forma equivocada de análise tem uma raiz, que não é regra mas é bem comum na maioria dos perfis.
Fazer uma análise detalhada, dos vários meio termos, os que habitam em algum dos vários graus da zona entre técnica e feeling demandaria muito texto, então vamos tratar só dos extremos, contudo, cientes da imensa gama entre estes extremos.
Existem pessoas com um perfil extremamente competitivo. Isso é uma característica, e ser positiva ou negativa depende de cada um, não vêm ao caso aqui. Contudo, de forma geral o competitivo quer ser o melhor, quer vencer. Mesmo que seja um músico ele necessita ser mais perfeito, mais conhecedor, mais dedicado, mais veloz, mais preciso.
Ele encara o instrumento e o conhecimento musical teórico e prático, quase como um esporte. Geralmente seu prazer e satisfação pessoal é ser o melhor e admirado por isso. Ele não quer ouvir "sua música é boa", ele quer ouvir "você toca pra caraleo", "você é o melhor".
Geralmente pessoas com este perfil costumam partir para um lado bastante técnico da música, alguns veem a música matematicamente, onde cada nota tem seu espaço segundo regras rígidas de campos harmônicos e lógica musical.
Portanto, você precisa entender, que um cara que se dedica 6 à 10hs por dia estudando e praticando seu instrumento, tem muita dificuldade em aceitar que um cara que mal estuda, não sabe nada de teoria, tem uma técnica absolutamente deficiente (devido à pouca dedicação à exercícios), tenha espaço e seja reverenciado como bom músico.
Do outro lado, temos pessoas com um potencial criativo e necessidade de expressar seus sentimentos através da arte de uma ferocidade atroz. Estes seres, são quase como panelas de pressão prontas a explodir, e a válvula de escape a esse turbilhão é a arte. Perceba, que nesse extremo a arte é o X da questão. A música é apenas um dos veículos que chegou a ele, seja pela influência do meio ou por acaso. Não fosse a música, ele seria pintor, dançarino, ator, qualquer outra coisa. Estes encaram o instrumento como uma arma para disparar suas emoções e criações, o estudo, técnica e tudo que envolve, são secundários e necessários só até o ponto em que ele necessita para se expressar. Alguns com muita facilidade e ouvido privilegiado, ou mesmo a parte motora melhor, faz-se totalmente desnecessário para ele aprender qualquer coisa, ele simplesmente toca de seu jeito e pronto.
O embate só existe, por conta do ego, de cada grupo achar que seu caminho é o único correto ou o melhor. Esse é o ponto, este é o erro.
A questão tem de ser formulada com fatores lógicos que realmente respondam algumas dúvidas e diminuam as divagações baseadas na emoção.
Qual o ponto positivo de cada extremo?
Sem a dedicação técnica, sem a ambição de cada vez ser melhor e fazer o mais difícil, não teríamos a evolução que tivemos no instrumento.
Você já parou para pensar porque os guitarristas de hoje são tão melhores (tecnicamente) que os dos anos 60? Porque você já começa a aprender ouvindo um padrão técnico melhor que tocam mais difícil seu cérebro já se acostuma com um padrão mais sofisticado. Qualquer moleque dedicado hoje em dia toca mais da metade do repertório de Jimi Hendrix, (não tô falando em pegada, etc, tô falando em técnica) coisa que uma minoria conseguia no início dos 60.
Os músicos técnicos fazem a roda girar, fazem a coisa evoluir e atingir padrões maiores de melhoria e sofisticação.
Os intuitivos, nos lembram que a arte existe e que ela é o principal.
E reforçam que ela pode muitas vezes ser feita de forma simples sem necessidade de complexidade quando esta, mesmo sem querer, nos afastam do objetivo principal. O objetivo principal da arte é promover o pensamento, é levar o homem a refletir e talvez até promover mudanças. Quem aqui nunca mudou um pouquinho por conta de um livro que leu, um filme que assistiu, uma música que ouviu?
Então, antes de discutirmos se fulano toca muito ou não toca nada, defendendo a posição técnica ou feeling, devemos analisar a contribuição de cada músico à arte e a sua expressão.
Gostar ou não gostar é pessoal... não significa ser bom ou ruim.
Afinal, quem disse que alguém para fazer música precisa saber música? E porque , em contrapartida, alguém não pode querer ser o melhor, o mais rápido, o mais técnico um doutor no assunto?
No fundo, tudo se resume a nossa imensa dificuldade de aceitar o outro, principalmente quando o outro não concorda com a gente.