A saudade de Tinoco e sobre os novos caipiras

"Cantei muitos desafio

Já fui cabra fandangueiro

Na congada já fui rei

Em todo sertão mineiro

Hoje só canto a saudade

Do folclore brasileiro."

(TONICO E TINOCO - Antiga Viola)

Sexta de manhã, acordei com a triste notícia, veiculada pelo telejornal da Globo, da partida de Tinoco. O coração apertou e lembrei de canções de que gosto muito. Copiei um trecho de "Antiga viola" para iniciar este texto e mostrar um pedacinho dos belos versos de músicas da dupla que o violeiro fazia com o irmão, Tonico, falecido em 94. Aproveito para deixar uma sugestão: conheçam mais sobre a música e sobre a grande história de vida destes brasileiros inesquecíveis.

Durante a composição deste texto, meu coração ficou dividido entre a tristeza causada pelo falecimento e a alegria de escrever linhas sobre momentos de que gosto muito de lembrar.

A música deles é também nostálgica, não só para os "sinhozinhos" que gostam de um modão, mas também para a geração dos "novos caipiras", classe em que estou incluído: os filhos e netos de homens que têm sua origem no campo, mas que preferiram trocar a vida simples da roça - em meio à natureza, trabalhando na enxada - pelas supostas facilidades trazidas ao se mudar para a cidade. Geração que não traz nada, ou, quando muito pouco, das características do meio rural. Entre as exceções encontramos o traço no sotaque das nossas cidadezinhas, como o do "R" acentuado. E também o pessoal que gosta de pescar ou cultivar hortaliças no quintal, hábitos herdados de outras gerações da família.

Estas canções me fazem viajar para locais de muito verde, com aroma de capim recém-cortado. Paisagens guardadas em cantinhos especiais da memória e do coração. Sempre me lembro com carinho das histórias da roça contadas por meus pais e tios. E também aquelas narradas por idosos da cidade, durante as visitas, numa parada para o cafezinho, como a que escrevi há algum tempo "o velhinho e a abóbora" (veja link logo abaixo). Viajo também, sem sair do lugar, para a casa da minha avó, lá no comecinho nos anos oitenta, quando ela colocava discões de Tonico e Tinoco e outras duplas da mesma época para tocar em sua vitrolinha. Lembro-me de meu pai com aqueles "radinhos de escutar na orelha", sintonizando as AMs nas manhãs de domingo para escutar as modas e relembrar os tempos da infância dele, vivendo na roça. Ele escutava as rádios por nostalgia, e as mesmíssimas canções me trazem boas lembranças. Interessante isso.

Vez ou outra, nos programas da TV aberta, que tratam da cultura caipira, tais como "Terra da Gente", "Viola, minha viola" e "Caminhos da roça", vejo artistas jovens entre os intérpretes de moda de viola. Inclusive uma das vezes assisti à apresentação de dois meninos que aparentavam dezessete anos, cujo vozeirão surpreendia, lembrando a de Tião Carreiro. É um sopro de esperança em meio à turma do sertanejo "universitário", cujo rótulo traz mais para perto de si, a cada dia que passa, sinônimos como "descartável".

Tive momentos muito bons na roça, os de brincar na infância, passear e estudar na adolescência, as visitas técnicas da vida adulta e o "festejar" em todas as fases. Eu recebia a notícia de que estava indo para o sítio, a chácara, fazenda, ou rancho com a emoção parecida à de um torcedor fanático que acaba de ver um gol de seu time.

Hoje testemunho ritmos como o Funk carioca e o Techno se misturarem às antigas músicas das quadrilhas das crianças nas festas juninas. Vejo também o pessoal da minha geração, a dos já citados "novos caipiras", de trinta a quarenta anos, escutando não apenas moda de viola, mas também Rock, Jazz, Reggae, entre tantos outros importados. Fatos que traduzem a situação do homem do campo vivendo no ambiente urbano e a inevitável absorção de seus elementos. Este contato com outras culturas resulta num saladão formado por incontáveis influências e resultados bastante curiosos.

Os tempos são outros. Esta grande mudança que foi a da maioria dos homens deixarem seus antigos lares na roça para que as gerações futuras tenham-na unicamente como ambiente de trabalho, leva os cenários das historinhas do Chico Bento, dos "causos" do Rolando Boldrin e das músicas de Tonico e Tinoco cada vez mais para longe. E o que resta é a saudade.

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O velhinho e a abóbora

http://www.recantodasletras.com.br/cronicas/2674102

Ranquei mendenga!