Os cantadores nordestinos I
Como fiel nordestino e dedicado músico que sou, amo as expressões sonoras sem fronteiras. A história do Brasil nos relata a influência dos colonizadores em nossa cultura, e hoje eu gostaria de falar um pouco sobre os cantadores repentistas do nordeste brasileiro. Começo logo dizendo que para os trovadores daqui o que está em evidência maior não é a melodia nem o atrativo rítmico que convida à dança, o que mais importa e interessa aos propagadores dessa rústica e antiga arte e aos seus ouvintes é o dizer poético.
A poesia do cantador é acima de tudo uma oratória rimada e isso é o que se leva em conta. Há vários estilos e há uma exceção na execução de um que é a canção, esta é pré-fabricada e não é fruto do repente. Há outro estilo que é o desafio, muito apreciado por ouvintes guerreiros-desportistas, por ser uma espécie de luta, onde cada um dos dois se enfrenta com dizeres para mostrar sua superioridade em linguagem poética, espirituosa, humorística, moralista, e tudo o mais que julgue grande, pois só assim poderá ser considerado vitorioso. Por causa da disputa de palavras, uns apelam para depreciações e até envolvem assuntos da vida particular do parceiro, citando por exemplo vícios, traições, covardias e até cenas de grosseiras palhaçadas. A platéia se diverte e delira às gargalhadas diante dos ditos pouco amigáveis da dupla que se digladia pra ver quem consegue (cantar mais). E aí vem outra questão interessante que é o “cantar mais”. Isso pode significar “xingar mais, contar maiores vantagens demonstrando maior habilidade linguagem ferina”... como o negócio é rústico mesmo, quem tem uma voz forte, metálica, bem pronunciada, desfruta de grande vantagem, portando os ouvintes exigem que o poeta seja rápido no encadear das rimas, seja bom orador e tenha uma boa e afinada voz. Quanto aos temas a serem cantados, estes podem ser assuntos da política, esporte, calamidades, escândalos de celebridades, crimes... qualquer assunto notícia, nada foge ao cantar dos bons improvisadores. É bom não esquecer que essa é a antiga linha original ainda, a mesma vinda da Europa, quando por lá os trovadores medievais já cantavam os feitos heróicos da sua época. Podemos considerar que no nordeste brasileiro se desenvolveram vários estilos, diferente de outras regiões onde parece que a cantoria se restringiu à canção, por aqui ouvimos: sextilhas, galopes, martelo, mourão, gemedeira, oitavão rebatido, aboio, gabinete e muitos outros.
Quanto às canções de cantadores, estas são muito queridas e sempre pedidas nas cantorias. Podem ser em compasso ternário ou quaternário, e servem para descrever saudades, amores, bons conselhos, sonhos utópicos, chegadas de poetas ao céu, louvações e muitos outros temas. Um dos destaques de grande cancioneiro foi o saudoso potiguar Elizeu Ventania.
Diferente do cantor popular que se expressa com o acompanhamento de uma banda ou orquestra, o cantadô puro usa somente a simples viola e modestos acordes que mais parecem tônicas e apenas servem como pano de fundo para a entonação de sua performance poética.
Como tudo evolui, é de se imaginar que a viola nordestina tome outro rumo por aí afora e mesmo se deixe influenciar por novas correntes sonoras. Todavia não posso omitir que ela nos seus quinhentos e poucos anos no nosso meio, já exerceu influência direta na criação do baião do rei Luiz Gonzaga e na obra de muitos outros recentes cantores da MPB, eu mesmo me incluo no rol dos que beberam e bebem nas fontes desses menestréis das antigas, em cujos corações vibra a alma sonora de um povo amante da vida e da tosca poesia.