Que falta me faz Gonzaguinha

É tão estranho sentirmos falta de alguém que nem ao menos vimos pessoalmente. Estranho mesmo é essa pessoa contribuir para a nossa formação, nos apontar direções, nos ensinar o ser sentimento: poesia, corpo e alma; e dele apenas “escutar” o brilho de seus olhos, através da música.

É assim que me sinto quanto ouço o Gonzaga, filho. O homem magro, de aparência frágil que conseguiu transpor até mesmo as almas mais ásperas.

Descobrir sua poesia ainda quando adolescente, em meio aos versos do Gonzaga (pai), ouvindo uma “profecia”, mais tarde revelada em minha própria existência, como filosofia: “minha vida é andar por esse país, pra ver se um dia descanso feliz”. O rei do baião eu já conhecia dos tempos de infância, sempre prestigiado pela “vitrola Philips” do meu vô Dantas, mas o filho, naquele momento, me chamou a atenção por sua serenidade e sorriso no canto dos lábios, nas mãos dadas e no passeio pelo palco, coisa de pai e filho... “Lá ê, lá ê, lá ê, lá ê, lá ê”...

De lá pra cá, músicas, textos, entrevistas, pensamentos e opiniões, fizeram parte da construção do meu próprio modo de ser (humano). Tudo me servia de alimento necessário para que o meu espírito entrasse em êxtase. Sim, sinto muita saudade de alguém que não pude conhecer em matéria, mas que deixou muito da sua essência pairando pelos corações mais sensíveis.

Há 20 anos um acidente ocorrido no Paraná calava a voz do guerreiro menino. Nunca saberemos o que poderia ter sido dito, escrito ou idealizado. Sinto falta disso também. Todavia, conforto-me em ter plena consciência de que o moleque vive nas quase 200 músicas compostas ao longo de sua carreira.

Não quero chorar, meu amigo. Aprendi sua lição. O nó na garganta é apenas mais um estalo provocado por ouvir seu clamor e lembrar-me de algum momento guardado no peito. Não vou chorar, pois “a saudade que sinto, não é saudade da dor de chorar, não é a saudade da cor do passado... Não é a tristeza que queima o peito. Não é lamentar o que nunca foi feito”. Ora, Gonzaga, já foi feito. Está ai, em você que ler esse texto, está aqui, em mim, que explodo em nostalgia. Está em todos aqueles que entenderam, através de suas “pregações”, que cada ser é uno, mas que somos construídos graças aos tijolos espalhados por cada pessoa, ao longo do caminho.

Duas décadas de lacuna. Duas décadas de simples saudade.

Está chovendo neste exato momento. Só posso crer que as águas também lamentam sua partida. Está chovendo. Chuva, frio, vinho, paixão... Clima perfeito para ouvir um Gonzaguinha... “É sempre assim, e sempre assim será”.

Estou indo... De longe percebo algumas esquinas e elas só servem, se a gente dobrar.

Axé e luz,

Caio Cultura

PS: Luiz Gonzaga do Nascimento Júnior nasceu em 22 de setembro de 1945, no Rio de Janeiro, filho legítimo de Luiz Gonzaga, o rei do baião, e Odaléia Guedes dos Santos, cantora do Dancing Brasil. Faleceu no dia 29 de abril de 1991, em Renascença, Paraná.