DESBRASILIDADE

Recentemente, realizando um sonho de longa data, assisti ao show do maestro, pianista e compositor grego Yanni aqui no Rio. Normalmente, não faço de uma pessoa meu ídolo tão somente por causa da música, que por sinal, no caso dele é um dom divino, mas também por causa da conduta do artista. Um exemplo disso, é o Bono Vox do U2 que acompanho há longos 20 anos, não por causa da bela música, e de sua bela voz que lhe rendeu o apelido, mas também das substanciais letras de música e de suas obras sociais na África que iniciou-se com uma sublime abordagem ao apartheid feita em suas letras de música que sempre citavam “silver and gold” como junção de brancos e negros, de maneira que não ficava gritante cada vez que fazia um show numa África cheia de racismo utilizar termos como este para mostrar que brancos e negros podem viver juntos sem ter problemas.

Já assisti muitos shows internacionais maravilhosos aqui no Rio, diga-se de passagem, com preços de ingressos estratosféricos, fora até mesmo de nossa realidade financeira, mas que se dane, eu queria ver meu ídolo. Só que essa ânsia de assisti-los para mim sempre se baseou na notícia que tenho de suas turnês e da qualidade de seu show, isso é o que me anima.

Sendo assim, fiquei maravilhada com a postura impoluta do músico Yanni em seu show no Brasil, preocupado como ele mesmo relatou em seu show em aprender nosso idioma para dizer frases inteiras de palavras amáveis em suas pausas e demonstrar que conhecia algo de nossa cultura e de nossa gastronomia, além de sua educação em não interromper longos aplausos acalorados de seu séquito fiel com os discursos que promoveu, igualmente presenteou seu público com um longo show de cerca de mais de duas horas por saber qual longa foi a espera do mesmo até que finalmente promovesse um show aqui no Rio de Janeiro, voltando ao palco por duas vezes quando a platéia pediu bis. Resumindo: respeito. Isso para mim, na verdade, não foi nenhuma novidade desde que sei e acompanho, mesmo que superficialmente, pois não vivemos com os mesmos 24 horas, a trajetória de vida dos meus ídolos, de forma, que para mim, sem arrependimento valeu cada centavo que eu paguei, da mesma forma que ao show que assisti do U2 aqui no Rio.

Em contrapartida, páginas na internet anunciam o desapontamento dos fãs com o show da Amy Winehouse: que a cantora só cantou 57 minutos, que não entoou as músicas novas esperadas pelo público do novo álbum, que caiu no palco em Recife, que esqueceu a letra de uma música que cantou em São Paulo, bebia todo o tempo durante o show em sua canequinha, e a única palavra que se preocupou em dizer em português foi um “muito obrigada” para depois exigir que o público fizesse mais barulho para aplaudir a banda, isso tudo por ingressos que chegaram aos exorbitantes R$ 500,00. Seu público ficou totalmente desapontado, todos com aquele gostinho de quero mais, pois nem o bis ela respeitou e saiu do palco sem sequer dar “adeuzinho Brazil”. Alguma novidade nisso? Todos sabemos do comportamento da Amy, inundando tablóides mundiais e servindo como prato cheio para páginas na net. Dona de uma voz única, inigualável, desperdiça o que poderia ser uma carreira invejável com sua decadência moral e física. Então, o que esperar de uma criatura dessas? Alguém tinha alguma dúvida de que o comportamento dela fosse diferente?

Isso é Brasil, minha gente! Os artistas internacionais vêm aqui, cobram preços faraônicos por seus shows e poucos fazem jus a isso. Fazem trocentas exigências absurdas e são atendidos. Lembram do titio Frank Sinatra quando veio fazer seu show aqui no Brasil? Trouxe sua própria cama por acreditar que aqui no Brasil não tinha cama que o satisfizesse e sua própria água, por ter certeza que aqui não havia água pura o suficiente para seu exigente paladar. Será que Roberto Carlos, Djavan, Ângela Maria, Chico Buarque e outros de nossos artistas conhecidos mundialmente vão em outros países fazer essas palhaçadas? E se fizerem será que vão ser atendidos? E o ingresso que cobram será que são correspondentes aos valores cobrados pelos nossos ídolos internacionais quando fazem show aqui?

‘Tá certo que o cara ta vindo de longe, tem uma série de gastos, tem outros costumes, outras necessidades, mas vamos e venhamos, e tracemos um parâmetro: show do Lionel Richie no Brasil, ingresso de R$ 450,00. Show do Exalta Samba em gravação do DVD no Citibank Hall, ingresso R$ 15,00. Isso é DESBRASILIDADE!!!

Por que insistimos em dar valor a tudo que não é nosso? Depreciamos nossos artistas por vezes, se temos tanta cultura e diversidade musical. Eu mesma sou fã de muitas e muitas mesmo bandas, cantores e cantoras internacionais, mas vamos ser coerentes em nossas escolhas e valores.

Os empresários donos de casa de show enfiam essa realidade nossa goela adentro, e mais uma vez aceitamos, cooperamos até. Nossa cultura é maravilhosa, ampla, eclética. Não precisamos disso.

Não quero ser ranzinza, pois reconhecido o quão maravilhoso foi o show do Paul McCartney aqui no Brasil, vibrante e emocionante para um senhor setentão, mas o valor que damos as imposições dos artistas internacionais muitas vezes deve doer no coração dos nossos ídolos daqui, tal qual um filho rejeitado por sua própria mãe, afinal são todos filhos do Brasil e acabamos por amar mais os filhos dos outros.

Pensem nisso...

JANA CRAVO
Enviado por JANA CRAVO em 16/01/2011
Reeditado em 18/01/2011
Código do texto: T2732726
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