Tributo a Teddy Vieira

Ele nasceu em 1922, em Itapetininga, interior de São Paulo, mesma cidade onde morreu, em 1965. Infelizmente, hoje é apenas o nome de uma praça, em seu torrão natal. Muito pouco para Teddy Vieira, no mínimo, um dos maiores compositores da música caipira, atualmente conhecida como de raiz, um termo politicamente correto para diferenciá-la da vertente moderna, chamada de música sertaneja, a que eu, maldosamente, denomino sertanojo. Prefiro a palavra caipira, simplesmente. É mais autêntica.

Teddy deixou mais de 200 canções, com inúmeros parceiros e gravadas por dezenas de duplas caipiras, as maiores que o Brasil conheceu. Teddy respirava música, exalava versos e poemas pelos poros. Vivia para e pela música caipira. Boa parte de sua curta existência, de quase 43 anos, trabalhou em gravadoras, revelou as maiores duplas dos anos 50 e 60 e compôs obras-primas do cancioneiro caipira. Somente O menino da porteira seria suficiente para imortalizá-lo. Mas que tem talento de sobra não se contenta com apenas uma maravilha.

Ele compôs ainda Boiadeiro errante, Rei do gado, A enxada e a caneta, Boiadeiro punho de aço, O mineiro e o italiano, Couro de boi, João-de-barro, Carro de boi. Como executivo de gravadora, lançou várias duplas, como Tião Carreiro e Pardinho, Zico e Zeca (minha dupla preferida), Liu e Leú, Zilo e Zalo. Fez canções para Tonico e Tinoco, Cascatinha e Inhana e tantas outras. Teddy Vieira era realmente um portento. Algo fora do comum.

Junto com Tião Carreiro, Teddy inventou o ritmo chamado pagode, na música caipira. Não confundir com esse pagode horroroso que se faz hoje. É uma música deliciosa, com lindos repiques de viola feitos por Tião Carreiro. Pagode de Brasília é um exemplo. Juscelino adorou e homenageou Tião e Pardinho, na época.

Versátil, Teddy percorreu todos os estilos de música caipira da época. Compôs toadas (Enxada e caneta), sururus (Menino da porteira), modas de viola (Rei do gado) e os pagodes, ritmo que acabou propalando o nome de Tião Carreiro, como o Rei do Pagode. Abaixo a letra de três canções de Teddy Vieira:

A Caneta e a Enxada

(Teddy Vieira e Capitão Balduino)

“Certa vez uma caneta foi passear lá no sertão

Encontrou-se com uma enxada, fazendo a plantação.

A enxada, muito humilde, foi lhe fazer saudação,

Mas a caneta soberba não quis pegar sua mão.

E ainda por desaforo lhe passou uma repreensão.”

Disse a caneta pra enxada não vem perto de mim, não

Você está suja de terra, de terra suja do chão

Sabe com quem está falando, veja sua posição

E não se esqueça a distância da nossa separação.

Eu sou a caneta soberba que escreve nos tabelião

Eu escrevo pros governos as leis da constituição

Escrevi em papel de linho, pros ricaços e pros barão

Só ando na mão dos mestres, dos homens de posição.

A enxada respondeu e bateu forte no chão,

Pra poder dar o que comer e vestir o seu patrão

Eu vim no mundo primeiro quase no tempo de adão

Se não fosse o meu sustento não tinha instrução.

Vai-te caneta orgulhosa, vergonha da geração

A tua alta nobreza não passa de pretensão

Você diz que escreve tudo, tem uma coisa que não

É a palavra bonita que se chama.... educação!

O Mineiro e o Italiano

Teddy Vieira e Nelson Gomes

O mineiro e o italiano viviam nas barras

Dos tribunais em uma demanda de terra

Que não deixava os dois em paz

Só de pensar na derrota o pobre caboclo

Não dormia mais

O italiano roncava nem que eu gaste alguns capitais

Quero ver esse mineiro voltar de a pá pra Minas Gerais

Voltar de a pá pro mineiro seria feio pros seus parentes

Apelou para o advogado fale pro juiz pra ter dó da gente

Diga que nós somos pobres que meus filhinhos vivem doentes

Um palmo de terra a mais para o italiano é indiferente

Se o juiz me ajudar a ganhar lhe dou uma leitoa de presente

Retrucou o advogado o senhor não sabe o que esta falando

Não caia nessa besteira se não nos vamos entrar pro cano

Esse juiz é uma fera, caboclo sério e de tutano

Paulista da velha guarda família de 400 anos

Mandar leitoa para ele é dar a vitória pro italiano

Porém chegou o grande dia que o tribunal deu o veredicto

Mineiro ganhou a demanda, o advogado achou esquisito

Mineiro disse ao doutor eu fiz conforme lhe havia dito

Respondeu o advogado que o juiz vendeu e eu não acredito

Jogo meu diploma fora se nesse angu não tiver mosquito

De fato, falou o mineiro, nem mesmo eu tô acreditando

Ver meus filhinhos de a pé meu coração vivia sangrando

Peguei uma leitoa gorda foi Deus do céu que me deu esse plano

Numa cidade vizinha para o juiz eu fui despachando

Só não mandei no meu nome

Mandei no nome do italiano.

Couro de Boi

(Teddy Vieira e Diogo Mulero)

Conheço um velho ditado, que é do tempo dos zagai.

Diz que um pai trata dez filhos, dez filhos não trata um pai.

Sentindo o peso dos anos sem poder mais trabalhar,

o velho, peão estradeiro, com seu filho foi morar.

O rapaz era casado e a mulher deu de implicar.

"Você manda o velho embora, se não quiser que eu vá".

E o rapaz, de coração duro, com o velhinho foi falar:

Para o senhor se mudar, meu pai eu vim lhe pedir

Hoje aqui da minha casa o senhor tem que sair

Leve este couro de boi que eu acabei de curtir

Pra lhe servir de coberta onde o senhor dormir

O pobre velho, calado, pegou o couro e saiu

Seu neto de oito anos que aquela cena assistiu

Correu atrás do avô, seu paletó sacudiu

Metade daquele couro, chorando ele pediu

O velhinho, comovido, pra não ver o neto chorando

Partiu o couro no meio e pro netinho foi dando

O menino chegou em casa, seu pai foi lhe perguntando.

Pra quê você quer este couro que seu avô ia levando

Disse o menino ao pai: um dia vou me casar

O senhor vai ficar velho e comigo vem morar

Pode ser que aconteça de nós não se combinar

Essa metade do couro vou dar pro senhor levar

(FIM)