A SÍNCOPE DO CORPO: “O FAZ QUE VAI, MAS NÃO VAI”.

É com o samba-no-pé que podemos visualizar a versão corporal da síncope, é bem verdade que para isso é preciso que o samba seja dançado por um bom sambista. Só ele pode nos mostrar toda a ginga que o ritmo propicia, como diz Nei Lopes, ao enumerar os princípios básico para seu Grêmio Recreativo:

“Samba mesmo é um passo curto, é drible de corpo, “no faz que vai, mais não vai” é no passo largo cheio de ginga, é no balançar dos braços, é no girar constante da cabeça, mostrando um sorriso contagiante, uma combinação improvisada de movimentos que ninguém do mundo consegue fazer igual ao brasileiro”. (LOPES, 2008, p.2)

A síncope corporal é o blefe do sambista, é quando ele frustra a expectativa do observador que espera por certo movimento, que não vem, a não ser em um tempo posterior. É nesse momento que o sambista demonstra sua incrível percepção rítmica, ao manter a cadência e todo um jogo de cena malemolente, próprio desse estilo de dança e música, o samba urbano carioca.

Há hoje em dia, porém, uma nova ordem causada pela “industria do samba”, com isso a arte de “fazer-no-pé”, se perdeu no meio do imenso espetáculo que se tornaram os desfiles das grandes escolas de samba. O triste desabafo de Floriano Carvalho, no artigo de Juliano Domingues, retrata bem esse novo momento, em que a arte corporal e o talento individual do sambista deixa de ter seu valor reconhecido:

“Infelizmente o samba de enredo está descaracterizado, impuseram uma marcação alucinada que impede qualquer passista de “dizer no pé”, daí guardarmos como exemplos os sambas que marcaram época e são cantados até hoje. A ganância pela venda exagerada de fantasias incharam as alas, que para completarem o tempo exigido no desfile tem que marchar, numa triste demonstração de subserviência à indústria do chamado “show business”, totalmente alheias ao aspecto cultural, desrespeitando o trabalho dos grandes sambistas do Rio de Janeiro. Salvemos o samba de terreiro e o partido alto, a hora é essa”. (DOMINGUES, 2007, P.3)

É bem verdade, que a síncope está presente em outros estilos musicais, porém, de forma secundária, uma opção, que pode ser usada ou não. Mas no samba, ela é a própria razão de ser do ritmo, ela permeia a música o tempo inteiro. Ela torna cada interpretação únicas, a música não é tocada duas vezes da mesma forma, e é esse “descompromisso” com a mesmice que caracteriza esse estilo, que com todos os méritos se tornou o símbolo musical do Brasil, o Samba Urbano Carioca. Imune ao modismo, imune ao tempo.