CHICO BUARQUE E A HISTÓRIA DE SUAS MÚSICAS
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Tão fascinante quanto conhecer novos lugares, novas cidades, novos países é a viagem através da vida, da obra e da história das canções de Chico Buarque de Hollanda. Para quem deseja conhecer o que está por trás de muitas de suas canções, foi lançado pela Editora Leya o livro “Histórias de Canções – Chico Buarque”, escrito por Wagner Homem, que, desde 1998, é responsável pelo site do artista. No início do site, conta Wagner, deu muito trabalho convencer Chico a ter um e-mail. “Para quê? Me comunico pelos correios ou telefone. Para mandar documento uso o fax”. Até que acabou cedendo. O livro não é uma homenagem, mas a divulgação de fatos e curiosidades dos bastidores da vida de Chico.
“Músicas têm histórias, e é bom saber delas, principalmente das de Chico”, assim disse Toquinho, seu grande amigo há mais de quarenta anos.
Cecília, Rita, Carolina, Cristina, Luisa, Teresinha, Januária, Beatriz, Bárbara, quem são essas mulheres? Que significado tiveram na vida de Chico?
E o oprimido operário que arrisca a vida nas alturas e inspirou a beleza de Construção, quando o artista chegou próximo da tão falada unanimidade, recebendo elogios de críticos de todas as tendências? Particularmente, considero Construção a obra-prima de Chico Buarque. A riqueza da melodia, o primor da letra em dodecassílabos, alternando rimas em proparoxítonas, associados aos arranjos do maestro Rogério Duprat, são, em grande parte, os responsáveis pelo sucesso, não só da música em si, mas de todo o disco LP, lançado na época obscura da ditadura militar, no ano de 1971. Ele conta que pagou muito jabá (exposição na mídia em troca de dinheiro) para que Construção fosse tocada nas rádios, principalmente por ser muito longa para os padrões da época.
E a fossa que chega a dilacerar ao ouvir-se Tatuagem e Atrás da Porta, esta em parceria com Francis Hime, principalmente na voz de Elis Regina, que chegava a chorar quando a interpretava. E também a triste poesia de Gente Humilde e Minha História (versão de Gèsu bambino, no original em italiano, autoria de Lucio Dalla e Paola Pallottino).
Chico inventou o compositor Julinho da Adelaide para tentar driblar a censura. Com esse pseudônimo e também Leonel Paiva (outro pseudônimo) ele lançou em 1974, Acorda Amor, que fez grande sucesso. Apesar da letra politicamente pesada e acusatória, a canção foi aprovada sem restrições, uma vez que nada constava anteriormente contra os dois novos “compositores”. Conseguiu fazer isso por um tempo até ser descoberto, quando a censura então passou a exigir o RG do compositor. A censura apalermada, composta por ignorantes, proibia a tudo e a todos sem nem saber o real motivo. Foi o caso de Trocando em Miúdos, de 1978, parceria com Francis Hime. No verso “devolva o Neruda que você me tomou e nunca leu”, a censura queria tirar o nome do poeta de esquerda. Chico argumentou através dos advogados que o representavam, uma vez que ele nunca foi diretamente a nenhum censor: “Pode deixar, afinal ela nunca leu”. Se o argumento colou, não se sabe, mas o fato é que a canção foi liberada. Então...
Wagner conta que teve total liberdade para escrever o livro, e liberdade é um dos preceitos que Chico mais adota e preserva. “Ele jamais negou uma história. No máximo, dizia que não se lembrava”.
As canções de Chico são recheadas de variados e delicados sentimentos, que vão da indignação e resistência à ditadura militar às trilhas sonoras para o cinema e o teatro, passando por sua bela e lúdica (mas também politizada) produção infantil. E o livro, mais do que um registro documental é uma leitura deliciosa. Existem novas histórias e alguns complementos que provocam interrogações nas muitas que foram inventadas e fazem parte do imaginário coletivo.
Há um fato interessante na canção Januária, e Wagner conta que “Quando eu organizava as canções para o livro, Chico me perguntou de onde eu havia tirado o verso ‘logo aponta os lábios dela’, já que o correto era ‘logo aponta os lados dela’. Respondi que era assim mesmo que ele cantava no LP de 1968. Preocupado com o erro, pus-me a escutar o velho vinil, até que, finalmente, o ouvido viciado conseguiu entender que, de fato, era ‘lados’. Inconformado com a minha falta de sensibilidade, compartilhei a dúvida com pessoas amigas, e 90% delas entendiam ‘lábios’. Não foi um consolo nem uma justificativa, mas me senti aliviado quando descobri que tanto Isaurinha Garcia (no álbum Chico Buarque e Noel Rosa) como Caetano Veloso (no CD Contemporâneos, de Dori Caymmi), cantam ‘lábios’. Imediatamente enviei um e-mail ao compositor narrando o fato e concluí: ‘Só privilegiados têm ouvido igual ao seu. Eu e Caetano só o que Deus nos deu’. Chico nunca respondeu”. Em 2005, na exposição comemorativa aos seus 60 anos e que tive o prazer de visitar, um manuscrito mostrava que num primeiro rascunho, o verso era “sempre aponta a casa dela”. Por curiosidade fui conferir a contracapa do LP de 1968 (que, assim como vários outros, conservo como relíquia), onde constam as letras das músicas do disco. E lá está com todas as letras “logo aponta os lábios dela”. Então, ficamos assim.
A canção Ode aos Ratos (parceria com Edu Lobo, feita em 2000 para o musical Cambaio) também tem uma história curiosa e que, evidentemente, não agrada às mulheres. Em certa parte cita “Rato de rua / aborígine do lodo / fuça gelada...” A ótima cantora Mônica Salmaso contou, durante um show, que soube por fontes fidedignas a seguinte história: escrevendo a letra, Chico percebeu que lhe faltavam informações sobre as características dos ratos, e ligou para o amigo, compositor e zoólogo Paulo Vanzolini (de quem gravou Praça Clóvis e Samba Erudito):
— Vanzolini, aqui é o Chico. Eu estou escrevendo uma letra sobre ratos e queria que você me ajudasse a saber como eles são. O nariz, como é que é? É frio? Quente? Macio? Duro? E a pelagem?
— Ô Chico! Você mente tanto sobre mulher... Por que não inventa qualquer coisa também sobre os ratos?
— Pô, Vanzolini... Pelos ratos eu tenho o maior respeito.
Estas são apenas algumas das histórias de um total de 133 canções mostradas no livro. Difícil, quando não impossível, é dizer qual a melhor delas. Cada um tem sua opinião e, certamente, muitas dessas canções, de uma forma ou de outra, marcaram nossas vidas.
Chico Buarque é isso e muito mais. Está além das barreiras da idade, ideologias, bagagem cultural, nível econômico e social. É, sem sombra de dúvida, adorado pela maioria (dizem que até pela filha do ex-presidente Geisel, o que ele nega). E, mais do que tudo, Chico é brasileiro, o que nos causa um enorme alento, especialmente nestes tempos de tanta descrença. O oposto ao verso final da canção Desalento, onde ele diz “corre e diz a ela que eu entrego os pontos”.
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Tão fascinante quanto conhecer novos lugares, novas cidades, novos países é a viagem através da vida, da obra e da história das canções de Chico Buarque de Hollanda. Para quem deseja conhecer o que está por trás de muitas de suas canções, foi lançado pela Editora Leya o livro “Histórias de Canções – Chico Buarque”, escrito por Wagner Homem, que, desde 1998, é responsável pelo site do artista. No início do site, conta Wagner, deu muito trabalho convencer Chico a ter um e-mail. “Para quê? Me comunico pelos correios ou telefone. Para mandar documento uso o fax”. Até que acabou cedendo. O livro não é uma homenagem, mas a divulgação de fatos e curiosidades dos bastidores da vida de Chico.
“Músicas têm histórias, e é bom saber delas, principalmente das de Chico”, assim disse Toquinho, seu grande amigo há mais de quarenta anos.
Cecília, Rita, Carolina, Cristina, Luisa, Teresinha, Januária, Beatriz, Bárbara, quem são essas mulheres? Que significado tiveram na vida de Chico?
E o oprimido operário que arrisca a vida nas alturas e inspirou a beleza de Construção, quando o artista chegou próximo da tão falada unanimidade, recebendo elogios de críticos de todas as tendências? Particularmente, considero Construção a obra-prima de Chico Buarque. A riqueza da melodia, o primor da letra em dodecassílabos, alternando rimas em proparoxítonas, associados aos arranjos do maestro Rogério Duprat, são, em grande parte, os responsáveis pelo sucesso, não só da música em si, mas de todo o disco LP, lançado na época obscura da ditadura militar, no ano de 1971. Ele conta que pagou muito jabá (exposição na mídia em troca de dinheiro) para que Construção fosse tocada nas rádios, principalmente por ser muito longa para os padrões da época.
E a fossa que chega a dilacerar ao ouvir-se Tatuagem e Atrás da Porta, esta em parceria com Francis Hime, principalmente na voz de Elis Regina, que chegava a chorar quando a interpretava. E também a triste poesia de Gente Humilde e Minha História (versão de Gèsu bambino, no original em italiano, autoria de Lucio Dalla e Paola Pallottino).
Chico inventou o compositor Julinho da Adelaide para tentar driblar a censura. Com esse pseudônimo e também Leonel Paiva (outro pseudônimo) ele lançou em 1974, Acorda Amor, que fez grande sucesso. Apesar da letra politicamente pesada e acusatória, a canção foi aprovada sem restrições, uma vez que nada constava anteriormente contra os dois novos “compositores”. Conseguiu fazer isso por um tempo até ser descoberto, quando a censura então passou a exigir o RG do compositor. A censura apalermada, composta por ignorantes, proibia a tudo e a todos sem nem saber o real motivo. Foi o caso de Trocando em Miúdos, de 1978, parceria com Francis Hime. No verso “devolva o Neruda que você me tomou e nunca leu”, a censura queria tirar o nome do poeta de esquerda. Chico argumentou através dos advogados que o representavam, uma vez que ele nunca foi diretamente a nenhum censor: “Pode deixar, afinal ela nunca leu”. Se o argumento colou, não se sabe, mas o fato é que a canção foi liberada. Então...
Wagner conta que teve total liberdade para escrever o livro, e liberdade é um dos preceitos que Chico mais adota e preserva. “Ele jamais negou uma história. No máximo, dizia que não se lembrava”.
As canções de Chico são recheadas de variados e delicados sentimentos, que vão da indignação e resistência à ditadura militar às trilhas sonoras para o cinema e o teatro, passando por sua bela e lúdica (mas também politizada) produção infantil. E o livro, mais do que um registro documental é uma leitura deliciosa. Existem novas histórias e alguns complementos que provocam interrogações nas muitas que foram inventadas e fazem parte do imaginário coletivo.
Há um fato interessante na canção Januária, e Wagner conta que “Quando eu organizava as canções para o livro, Chico me perguntou de onde eu havia tirado o verso ‘logo aponta os lábios dela’, já que o correto era ‘logo aponta os lados dela’. Respondi que era assim mesmo que ele cantava no LP de 1968. Preocupado com o erro, pus-me a escutar o velho vinil, até que, finalmente, o ouvido viciado conseguiu entender que, de fato, era ‘lados’. Inconformado com a minha falta de sensibilidade, compartilhei a dúvida com pessoas amigas, e 90% delas entendiam ‘lábios’. Não foi um consolo nem uma justificativa, mas me senti aliviado quando descobri que tanto Isaurinha Garcia (no álbum Chico Buarque e Noel Rosa) como Caetano Veloso (no CD Contemporâneos, de Dori Caymmi), cantam ‘lábios’. Imediatamente enviei um e-mail ao compositor narrando o fato e concluí: ‘Só privilegiados têm ouvido igual ao seu. Eu e Caetano só o que Deus nos deu’. Chico nunca respondeu”. Em 2005, na exposição comemorativa aos seus 60 anos e que tive o prazer de visitar, um manuscrito mostrava que num primeiro rascunho, o verso era “sempre aponta a casa dela”. Por curiosidade fui conferir a contracapa do LP de 1968 (que, assim como vários outros, conservo como relíquia), onde constam as letras das músicas do disco. E lá está com todas as letras “logo aponta os lábios dela”. Então, ficamos assim.
A canção Ode aos Ratos (parceria com Edu Lobo, feita em 2000 para o musical Cambaio) também tem uma história curiosa e que, evidentemente, não agrada às mulheres. Em certa parte cita “Rato de rua / aborígine do lodo / fuça gelada...” A ótima cantora Mônica Salmaso contou, durante um show, que soube por fontes fidedignas a seguinte história: escrevendo a letra, Chico percebeu que lhe faltavam informações sobre as características dos ratos, e ligou para o amigo, compositor e zoólogo Paulo Vanzolini (de quem gravou Praça Clóvis e Samba Erudito):
— Vanzolini, aqui é o Chico. Eu estou escrevendo uma letra sobre ratos e queria que você me ajudasse a saber como eles são. O nariz, como é que é? É frio? Quente? Macio? Duro? E a pelagem?
— Ô Chico! Você mente tanto sobre mulher... Por que não inventa qualquer coisa também sobre os ratos?
— Pô, Vanzolini... Pelos ratos eu tenho o maior respeito.
Estas são apenas algumas das histórias de um total de 133 canções mostradas no livro. Difícil, quando não impossível, é dizer qual a melhor delas. Cada um tem sua opinião e, certamente, muitas dessas canções, de uma forma ou de outra, marcaram nossas vidas.
Chico Buarque é isso e muito mais. Está além das barreiras da idade, ideologias, bagagem cultural, nível econômico e social. É, sem sombra de dúvida, adorado pela maioria (dizem que até pela filha do ex-presidente Geisel, o que ele nega). E, mais do que tudo, Chico é brasileiro, o que nos causa um enorme alento, especialmente nestes tempos de tanta descrença. O oposto ao verso final da canção Desalento, onde ele diz “corre e diz a ela que eu entrego os pontos”.
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