a musica em schopenhauer

O PAPÉL DA MÚSICA EM SCHOPENHAUER

Pedro André Pires de Almeida*

Resumo: Abordagem sobre a música na concepção do filósofo alemão ARTHUR SCHOPENAUER. A análise apresenta a influencia do contexto musical sobre a filosofia deste autor onde ficará explicita a distinção existente ente a música e as demais artes, a sua importância na vida do ser humano como superação do sofrimento segundo o filósofo.

Palavras-Chave: Schopenhauer, Arte, Música, Sofrimento, Vontade.

Abstrat: Focus on the music in the design of the German philosopher ARTHUR Schopenauer. The analysis shows the influence of musical context on the philosophy of this author explains where it will be the distinction loved music and other arts, its importance in human life and overcoming suffering according to the philosopher.

Keywords: Schopenhauer, Art, Music, Suffering, Will

1. INTRODUÇÃO

Para Schopenhauer “viver é sofrer” sendo necessário que exista uma via de suspensão da dor que existe no sofrimento da vida. O prazer em realidade é apenas um momento rápido de ausência de dor e não há satisfação durável, porque o homem nunca se sente satisfeito de forma plena, ou seja, todo o momento de satisfação aponta a um novo desejo sendo assim sucessivamente. Ocorre uma ansiedade que é vazia e um tédio profundo proveniente do constante sofrimento que o homem sente e passa pelo fato de estar vivendo e assim conseqüentemente sofre. Existem três coisas que são constantes e iram também acompanhar o homem durante a sua existência, que é à vontade, o desejo e o tédio. Sendo que a vontade em Schopenhauer é a mola propulsora da existência humana, localizada em um plano metafísico que é o querer a vida ou o desejo de vida, isto é, querer viver. Pois a vontade é a raiz metafísica do mundo, logo, é a fonte de todo sofrimento, neste sentido esta via de suspensão da dor referido acima se dará segundo o filósofo através da contemplação artística, sendo que esta é uma contemplação desinteressada das idéias, em que se contempla a vontade em si mesma ocorrendo assim à suspensão da dor causada exatamente pela vontade.

Este filósofo usa o termo kantiano chamado desinteresse para contemplação da arte em que através disto fará com que esta vontade fique distante, afastando conseqüentemente o sofrimento e a dor. Porém esta contemplação artística não elimina e tampouco eliminará esta vontade existente no homem que é algo inerente a sua natureza humana, sendo o homem um ser que sempre esta desejando algo, e quando consegue saciar-se em determinada área sua vontade precisa ser satisfeita em outra, neste sentido a arte eleva e faz com que o homem supere este momento de vontade e dor momentaneamente.

2. A MÚSICA NO TEMPO DE SCHOPENHAUER

Arthur Schopenhauer (1788-1860) vivera entre o final de um século e o começo de outro onde além de ocorrerem inúmeras mudanças no contexto social, político, religioso e cultural, o filósofo pôde acompanhar também em seu tempo mudanças no âmbito musical, em que houve a transição do Classicismo1 para o Romantismo2.

O período Clássico deve ser visto e também reconhecido como o momento em que grandes gênios da música se destacaram, sobretudo convém mencionar grandes nomes como: Haydn3 e também Mozart4. É pertinente destacar que Schopenhauer possuía grandíssima admiração a ambos, sobretudo a Mozart, pois este apesar deter tido uma vida curta deixou uma vasta obra a sua posteridade. Era um compositor que priorizava a técnica e justamente com a métrica eram fatores que diferenciavam as suas composições.

Já Haydn foi considerado como o pai da sinfonia, isto pelo fato de ter composto um grande número de peças sinfônicas e também suas composições destacava-se pela perfeição musical existente nelas. A música no tempo de Haydn como também Mozart possuíra um caráter universal, pois em todo o mundo quando alguém ousava compor teria então de seguir os padrões musicais existentes, o que de fato fez com que a música clássica se destacasse. No Romantismo ou período romântico o que se destacava era exatamente o individualismo tornando-o oposto ao Classicismo, sendo esta transição justamente contexto “influenciador” no intelecto artístico de Schopenhauer. Faz-se necessário destacar também um gênio que marcou o Romantismo chamado Ludwig Van Beethoven. A música romântica deste gênio é densa e também emotiva, onde suas composições são totalmente ligadas aos fatos que marcaram a sua vida. A partir de Beethoven a música não fora mais a mesma, pois passou a adquirir um caráter de absoluto egocentrismo, pois para ele somente o drama pessoal é que conta neste momento. Aqueles que ouvem a música de Beethoven passam a identificar-se pessoalmente com a música, chegando a reconhecer até mesmo que nas angústias, infelicidades e também nos infortúnios da vida pode através do encanto da arte ocorrer um sentimento profundo que aliviará as dores que atingem o homem.

No Romantismo as dores adquirem um papel fundamental, posto quê as dores do próprio artista romântico é o que promoverá a sua criação artística. Isto fica explicito em Beethoven como, por exemplo:

• Na sua 5ª sinfonia o sentimento de superioridade e grandeza se destaca.

• Na 6ª sinfonia que é pastoral a nostalgia fica explícita.

• Na 9ª sinfonia Beethoven deixa transparecer a paixão que tomava o seu ser naquele momento. Assim, o sentimento e a individualidade estão eminentemente sobre o gênio romântico. Com os românticos a música torna-se sistematicamente a arte de exprimir os sentimentos por meio dos sons5 .

O que ocorreu na transição entre o Classicismo e o Romantismo foram o cultivo da dor e também a sinceridade expressa pelo povo com a existência ou presença do sofrimento. Através da vida dos compositores românticos é permitido notar que tanto a fantasia quanto a angústia andam juntas e em certo sentido se completam isto seria como se desejássemos possuir algo que nos é proibido. Outro fator a ser considerado nesta época é a literatura que influencia significativamente os românticos e isto se pode confirmar através do drama lírico o qual foi desenvolvido por Richard Wagner6. Este uniu a música e a poesia, pois a poesia traria a significação intelectual à obra e a musica assim reforçaria esta significação através dos seus valores que são muito mais profundos e ativos do que a palavra.

Schopenhauer que começará a exaltar a música como sendo a arte superior juntamente com as palavras, neste sentido, passou a exercer uma influência significativa sobre e suas composições, fato este que se pode comprovar na própria estética deste compositor.

2.1. A MÚSICA EM SCHOPENHAUER

A música pode ser vista por meio de Schopenhauer como a magma arte perfeita, pois de certa maneira consegue traduzir o verdadeiro espírito do homem.

De todas as artes Schopenhauer exalta a música como a mais grandiosa e por possuir também um poder especial, pois tem um caráter universalizante que de fato ultrapassa toda a individualidade existente. A ela cabe o destaque maior na metafísica do belo, pois não é incluída pelo filósofo na pirâmide hierárquica das artes, mas é suprema e paira sobre todas. E isto ele deixa claro ao fazer uma revisão sobre as artes e após referir-se a música.

“Contudo, percebemos que uma bela arte ficou excluída de nossa consideração, e tinha de ter ficado, visto que no encadeamento sistemático de nossa exposição não havia lugar algum para ela: trata-se da música. Esta se encontra por inteiro separada de todas as demais artes.” (SCHOPENHAUER. 2001. P.227)

Em realidade, dentre todas as artes a música não será somente aquela que irá expressar as idéias ou o grau de objetivação da vontade, mas ela expressa a própria vontade e por isto é a arte mais profunda e universal. Ela descreve a vontade mais secreta da vontade e neste sentido ela não será então libertadora, mas apenas tornará os homens como puros sujeitos contemplativos, pois enquanto contemplam não desejam e por isso não sofrem. A música proporcionara ao individuo um prazer desinteressado, pois ela representa a vontade de forma imediata ao passo que o individuo ao ouvi-la desinteressadamente será como se estivesse em uma ascese e sentiria um gozo sentimental inexplicável que lhe é totalmente subjetivo.

3. A RELAÇÃO EXISTENTE ENTRE MÚSICA E VONTADE

Schopenhauer assume um posicionamento metafísico e não poupa também as suas criticas a Kant, sendo que agora o fenômeno será tudo aquilo a ser pensado e percebido e a vontade cognoscível que é o Noumenom será intuição imediata. Contrário a Kant, ele irá elaborar uma metafísica imanente onde a razão se submeterá a vontade, e esta vontade representa um querer viver sob qual o homem está e não poderá livrar-se. A vontade é o substrato de todos os fenômenos, sendo ela um Noumenon e ao se mostrar acaba se tornando Fenômeno, assim o homem quando age sendo assim faz porque está movido pela vontade que em parte não é racional. Esta vontade gera a dor e o sofrimento, e este sofrimento é a unidade do mundo, pois está presente em todas as pessoas sem exceção. Se de fato a vontade gera a dor e o sofrimento tornando o viver um sofrer, desta forma a única maneira que se pode encontrar para superar essa dor é eliminando a vontade, e esta eliminação da vontade dar-se-á única e exclusivamente através da contemplação artística. Para este filósofo todas as artes são libertadoras, mas por determinado tempo, isto é, momentaneamente e não de forma definitiva.

Schopenhauer traça uma hierarquia presente nas manifestações artísticas no qual cada modalidade artística ao nos lançar em uma pura contemplação de idéias nos apresenta um grau de objetivação da vontade. Partindo da arquitetura como seu grau inferior e mostra a resistência e as forças intrínsecas presentes na matéria, sendo que o último patamar desta contemplação reside na experiência musical. Para ele a em comparação com as demais artes a música é a mais grandiosa e majestosa, sendo que possui também um poder especial pelo fato de ter um aspecto universalizante que irá além das individualidades. A música por ser independente de toda imagem externa é capaz de nos apresentar a pura Vontade em seus movimentos próprios,logo, ela manifesta a própria vontade encarnada. Isto compreende-se pelo fato da música possuir regras bem determinadas de expressão numérica e assim é compreendida por qualquer individuo. Através da música esquecendo-se de si mesmo o homem se liberta do sofrimento que está na vontade, sendo que esta libertação se dará através do som puro,por ele exercer influência sobre a vontade,produzindo um prazer estético no individuo que é o contentamento em oposição a vontade. Toda e qualquer arte objeta estimular o conhecimento das idéias,no entanto, a música possui particularidades qua a torna diferente de todas as outras artes conforme o autor:

“A música, portanto não é de modo algum,como as outras artes cópia de Idéias,mas cópia da própria Vontade,do qual as Idéias também são a objetividade.”(SCHOPENHAUER.2001.P.230)

É assim porque a música segue além das idéias ganhando uma independência do mundo de objetividade ou aparente,pois sua existência seria possível mesmo sem a existência do mundo fenômenico. A idéia é a imediata da vontade sendo que as artes reproduzem estas idéias,mas já a música é a reprodução da própria vontade,e esta é a diferença existente entre a música e as demais artes,pois ela traz para diante do individuo e consegue livrá-lo momentaneamente dos liames da vontade, justamente o que o filósofo irá destacar: “ A música como já disse,diferencia-se de todas as outras artes por não ser uma cópia do fenômeno, ou mais exatamente da objetividade adequada da vontade, mas por ser um cópia imediata da própria Vontade”(SCHOPENHAUER.2001P.231) Esta distinção entre a música e as outras artes se dá por ela produzir efeitos no interior do individuo mais do que as outras, operando metafisicamente através desta cópia da vontade.

4. A Organização Melódica

Artur Schopenhauer faz uma comparação entre os instrumentos da orquesta que criam a melodia e a metafísica do individuo, isto é, a sua área de transferência. Ele faz referencia também sobre os tons mais graves da harmonia que é o baixo,representando o estado inorgânico este sendo a base desta harmonia na orquestra e nas vozes do coro. Daí surge a voz condutora que canta a melodia e são em realidade uma seqüência dos graus de Idéias nas quais a Vontade se objetiva no mundo intuitivo. Há neste sentido uma relação entre música e mundo o nível dos tons e a vontade.

“Portanto,assim como do tom é inseparável certo grau de altura, também da matéria é inseparável certo grau de exteriorização da vontade. Dessa forma,o baixo contínuo é, na harmonia,o que no mundo é a natureza inorgânica, a massa mais bruta,sobre a qual tudo se eleva e desenvolve. Ademais, as vozes intermediarias que produzem toda a harmonia e se situam entre o baixo continuo e a voz condutora que canta a melodia são,na música,o que é no mundo intuitivo a sequência dos graus de Idéias nas quais a vontade se objetiva.”(SCHOPENHAUER.2001.P.231.)

Os movimentos existentes na música podem trazer ao individuo alegria, mas também tristeza e tédio. A alegria se dá pela rapidez e pela vivacidade, assim como frases curtas e fáceis também a música de dança.

Já o adágio7 revela a angústia de forma introspectiva, exatamente por ser um movimento lento o individuo a reflexão da vida. Estes movimentos lentos levam o ser a ter um sentimento nostálgico que é superado pelo modo maior novamente. Neste sentido conforme afirma Schopenhauer:

“O adágio fala do sofrimento associado a um grande e nobre esforço a desdenhar qualquer felicidade vulgar. Mas quão maravilhoso,é o efeito dos modos maior e menor. É fascinante observar que a mudança de uma meio-tom,a entrada em cena da terça menor em vez da maior,impõe a nós imediata e inevitavelmente um sentimento penoso,angustiante,do qual o modo maior novamente nos libera de novo.”(SCHOPENHAUER.2001P.233-234)

Assim sendo a música transmite os movimentos íntimos da “humanidade” e sua essência é destituída de sofrimento. Além disso, por possuir como objeto a vontade a música ao expressar o em-sí no mundo, isto é, a vontade de em-sí ela então deverá ser reconhecida como sendo a verdadeira filosofia, pois ela é um exercício oculto de filosofia, em que a mente não sabe que está filosofando.

5. Conclusão

Ao que fora abordado nesta apresentação ten-se nocão de que segundo este filósofo alemão existe este constante sofrimento na vida humana,onde através da contemplação estética ocorre a sublimação deste sofrimento,pois há uma contemplação desinteressada que elevará o individuo o fará esquecer-se de sí neste momento,deixando assim momentaneamente de sofrer. A música todavia é considera por ele como a magma arte e paira acima da hierarquização das artes,pois é a única que expressa diretamente a vontade e não os seus arquétipos. Levando-se em consideração o contexto de Schopenhauer onde o Romantismo ficou marcado pelo cultivo da dor e do sofrimento exposto de maneira clara pelo povo, a música neste momento servia como um remédio para este sofrimento. A dor da existência transmitida do romantismo de Beethoven é também aliviada momentaneamente através da música, pois ela não trará a cura,mas sim um tempo de alivio do sofrimento.

O ser humano como um ser de vontade se vê desta forma preso a ela, a uma constante querer,uma constante ânsia e desejo o que o torna em parte um ser com angústia de vida, sendo que a importância desta reflexão schopenhaueriana se dá nesta oportunidade em que o homem pode superar este sofrimento vital,através da contemplação estética,mais precisamente com a música que vai além das idéias e atinge o interior humano operando metafisicamente através da cópia pura da vontade,em conseqüência a sublimação do sofrimento.

Não obstante,a música assim como a arte para o filósofo é um grande instrumento de educação,instrução e molde para o ser humano,pois através dela o homem tem a possibilidade de aflorar sua sensibilidade e percepção de mundo. E por isto ele encerra sua obra8 dizendo:

“Que se gaste tempo e dinheiro,antes,indo a óperas e concertos. É sem dúvida incomparavelmente mais nobre proveitoso quando quatro pessoas se sentam para audição de um quarteto do que quando se sentam para uma partida de baralho.”9

REFERENCIAS:

ABBGNANO,Nicola.Dicionário de Filosofia.SãoPaulo:Martins Fontes,2007.

KURY,Adriano da Gama.Dicionário da Lingua Portuguesa.São Paulo:FTD,2001.P.21

SCHOPENHAUER,Arthur.Metafisica do Belo.Tradução Jair Barbosa.São Paulo:Editora Unesp,2001.

MACHADO,Roberto.O Nascimento do Trágico de Shiller a Nietzsche.Rio de

Janeiro:Zahar,2006.

PEDRO ANDRÉ ALMEIDA
Enviado por PEDRO ANDRÉ ALMEIDA em 20/07/2010
Código do texto: T2388782
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.