MISERERE.


     Inicio de espetáculo, as luzes se apagam, o murmurinho da platéia é interrompido, ouvem-se baixo os primeiros acordes vindos de um violoncelo. Seguem-se pequenos rufares de tambor, em meio ao escuro propositalmente estabelecido. Aos poucos surge uma música prodigiosa que cessa repentinamente, cedendo lugar ao silêncio ao mesmo tempo em que um feixe de luz azulada, penetrando a escuridão, atinge o maestro. Outros em tons amarelados evidenciam as silhuetas dos componentes da orquestra. Instantaneamente em resposta aos movimentos da batuta, a música enche o teatro, de forma intensa, ricocheteando pelas paredes, penetrando os ouvidos, atingindo a essência. A energia sentida harmoniza-se inebriando. Aquela manhã chuvosa de Domingo ficará marcada em minha memória, foi meu primeiro concerto e desse magnífico acervo passei a ser ouvinte para em seguida, procurar compreender as histórias que o vivenciam.

     Dentre as varias, uma em especial me chama a atenção, “Miserere”, que de acordo com os dicionários significa ter misericórdia ou piedade. É a versão musicada para coro feita por Gregorio Allegri, por volta de 1630 do salmo 51, para celebrações especiais na Capela Sistina, na semana santa era declamado o salmo de David. A obra interpretada por um coro ganhou celebridade quando o Papa Urbano VIII a considerou sacra, proibindo sua execução fora das paredes do Vaticano e ameaçando de excomunhão quem a divulgasse. Mesmo cercada de cuidados a partitura da música ganhou o mundo em 1770, quando um menino músico de 14 anos visitou a Capela e ouviu a audição de “Miserere” de Allegri. Ficou maravilhado com o que ouviu, ao chegar à casa, onde estava hospedado, transcreveu para a pauta todas as notas, assim como a letra adaptada do salmo 51, um feito esplêndido. De volta ao seu país a noticia se espalhou rapidamente, chegando aos ouvidos do Papa que pediu uma comparação entre a partitura apócrifa do jovem músico e o manuscrito original. Constatou-se que eram exatamente as mesmas. O Papa ficou impressionadíssimo com o feito, acabou agraciando o jovem com uma comenda. O menino músico, autor da façanha, anos mais tarde revelou-se um dos maiores nomes da música em todos os tempos: Wolfgang Amadeus Mozart.

     A história de Mozart cheia de altos e baixos teve final funesto, dono de um acervo musical sem precedentes, após a morte do pai passou a demonstrar compulsão obsessiva em relação a morte. Naquela ocasião recebeu a encomenda de um Réquiem, (Missa de corpo presente), de uma pessoa que não se identificou. A encomenda misteriosa impressionou ainda mais o músico, fazendo-o acreditar ter sido feita por um mensageiro do além e o Réquiem ser para o seu próprio funeral. Mozart faleceu aos 36 anos, há registros que dizem ser em razão da sifilis, outros que dizem ter sido tifo, ou ainda suicídio, trabalhava na terceira sequência da missa: “Lacrimosa”, deixando a obra inacabada, sendo que a mesma  foi terminada por um de seus alunos. Seu funeral a caminho do cemitério foi apanhado de surpresa por uma terrível tempestade, impossibilitando seus parentes e amigos de acompanharem o corpo, que seguiu somente com os coveiros. Foi enterrado em vala comum em local desconhecido, sua cova nunca foi encontrada, por ter a tempestade apagado os vestígios do sepultamento, morreu sem o devido reconhecimento.

 
JLeal
Enviado por JLeal em 19/07/2009
Reeditado em 20/04/2015
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