"MURILOSCOPIA" - CONCRETISMO TOTAL

ADENDO AO TEXTO - estes meros "palpites" são o complemento (ou continuação) do artigo "AFINAL, TUDO É... POESIA ?!", postado aqui no Recanto das Letras recentemente.

"MURILOSCOPIA" - CONCRETISMO TOTAL

Mal findei minhas impressões (meros palpites) sobre o Concretismo e eis que me vêm às mãos "livrão" de 410 páginas de um certo MURILO MENDES... e se trata do Volume 2, logo, temos calhamaço anterior, suponho que do mesmo teor. Não pretendo analisar a obra, escolhi ao acaso 3 ou 4 páginas, trechos semelhantes às demais, quase todos dedicados ou em nome de figuras importantes, creio. Ao inverso da PROSA (falo de contos, artigos, diários ou crônicas) que escrevemos 1) primeiro, para nós mesmos, a Poesia "exige" interlocutor, 2) é intercâmbio com algum insondável leitor, ouvinte, presumido "destinatário". E, ao dedicarmos o poema, até o definimos, ainda que falecido (?!) tempos ou séculos antes.

O que sempre me irritou no Concretismo foi o descompromisso com esta COMUNICAÇÃO entre 2 "pólos", dois seres, pessoas... seu objetivo maior é demonstrar ERUDITISMO, Conhecimento em várias áreas e, partindo daí, "fazer gracejos" apoiados NA RIMA que caracteriza boa parte dos poemas comuns. Daí, "entortam-se" palavras normais, junta-se metade de duas ou três, "criam-se" (?!) "NOVAS", arrevezadas, estranhas, delirantes, esquisitas, desde que "espanquem" a rima utilizada ali. E não é uso ocasional, é ação persistente, "maníaca", obsessão total.

Seguem abaixo breves trechos da extensa obra de 2003, da estatal FNDL; abri ao acaso o livro, nem é previso "selecionar" nada, a edição inteira é nesse "formato". No capítulo "CONVERGÊNCIA" -- datado 1963-1966 -- temos 34 "Grafitos" e 33 "Murilogramas"... realmente a "coisa" ENTOPE o cérebro. E o calhamaço vem dedicado "Aos Poetas moços do Mundo"... pobres jovens, futuros vates, "alimentados" (?!) com o supra-sumo da "Concretude desvairada". Vamos aos "poemas":

GRAFITO PARA MÁRIO DE ANDRADE

I I (trechos)

Teus rios Dioscuros

Tuas diáboas

Este povo coisando na durocracia

Ásperos contrastes

O imenso ideograma da fome

O guaiar do Nordeste goderando

No polígono do abichorno

Sol mecânico. (...)

Solancas-te

Solavancas-te.

Esquematizas.

Estilhaças-te

Esperando o traumaturgo.

(pags. 635-636)

***********

GRAFITO EM TÂNGER

Desço na noite amarela

Onde a laranja sibila.

Vai este olho vertical

Divisando tangerinas

Veladas

De braços com os tangerinos

No silêncio horizontal

Tangível.

Tânger tangida, ácida

Paisagem de portas redondas.

*** *** ***

Surpreendo mais tarde Tânger

Imóvel sem véus,

Tangente à malinconia:

Temendo o tangolomango

Saio da noite amarela

onde a laranja sibila.

(Tânger, 1963)

(pag. 644)

***************

MURILOGRAMA AO CRIADOR

(...)

Nasço -- um dia -- entre parêntesis

Morrerei -- quando -- entre parêntesis

Sou meu heterônimo

Nada eletrônico:

Nunca um nasce

Suficientemente.

*** *** ***

Portando a téssera de Jonas

In-voco Teu número

Descer sobre o meu úmero.

Existo no osso e pelo osso

que me confere identidade.

Do céu às avessas aguardo

O timbre da electropressão.

Meu trabalho: exceder-me do meu nada,

Do meu contexto de ossos.

(etc, continua... pag. 661)

***************

FINAL E COMEÇO

Lacerado pelas palavras-bacantes

Visíveis tácteis audíveis

Orfeu

Impede mesmo assim a diáspora

Mantendo-lhes o nervo & a ságoma.

Orfeu Orftu Orfele

Orfnós Orfvós Orfeles

FIM ?

(pág, 703... uma gracinha, não é ?!)

****************

****************

Recentemente (em 4/abril de 2025, no DIÁRIO DO PARÁ, pag. B12) o jornalista Ruy Castro produziu quase um libelo contra o "concretóide" OSWALD DE ANDRADE, "pai" ou no mínimo "tio" da tal novidade, a Poesia Concreta. Reproduzo abaixo os termos "mais suaves" em relação ao escritor, do qual não gostei nem um pouco na única vez que o li ! (NATOAZEVEDO)

ANTROPOFAGIA PREDATÓRIA (trechos)

Durante seus 64 anos de vida (1890-1954) Oswald de Andrade fez do mundo um circo, com ele no centro do picadeiro. No começo, foi um sucesso. Mas o mundo passou de ano e cansou de assistir ao mesmo show -- frases de efeito, trocadilhos, insultos, brigas, reconciliações oportunistas e mais brigas. Nos dez anos anteriores à sua morte e nos primeiros dez que se seguiram, ninguém lhe deu bola. Em 1964, exumado pelos concretistas, Oswald foi entronizado como gênio rebelde e incompreendido. (...)

Dezenas de livros celebram suas lendas, em maioria disseminadas por ele próprio, 30 anos depois dos fatos e adotadas sem verificação. (...) Pela narrativa de Lira Neto (que não esconde sua admiração pelo autor), há muita coisa sem explicação em Oswald. Homofobia, racismo, rancores ciclópicos contra ex-companheiros, ingratidão (com Blaise Cendrars, de quem pegou a prosa telegráfica e o poema-piada) e um renitente copidesque de sua história sem apoio na realidade. (...)

Filho do talvez maior latifundiário urbano de São Paulo, viveu de vender os inesgotáveis terrenos e prédios que herdou em 1919, hipotecando-os, negociando com Bancos, credores e agiotas e bajulando poderosos para sair de encrencas. Aliás, a leitura de seu "Diário Confessional" confirma isso. No fim, o antropófago devorou a si mesmo.

RUY CASTRO (jornalista e escritor, membro da ABL)