O perspicaz assassino da literatura

Com crimes repletos de maquinações, Tom Ripley é um anti-herói marcado pelo carisma

 Já imaginou ficar sob a mira de um sociopata disposto a tudo para se apoderar de sua vida? E não se trata de uma perspectiva metafórica, mas sim baseada em um ponto de vista(experimento) bastante literal. Apesar de a premissa parecer um tanto absurda, Patricia Highsmith conseguiu ser verossímil em seu desenvolvimento, lá pelos idos de 1955, entregando “O Talentoso Ripley”, um sofisticado e transcendente thriller policial. Entalado de originalidade, a obra explora o lado mais recôndito do protagonista e assim dá voz a uma figura assombrada pelos mais acentuados conflitos psicológicos.

O sucesso de “O Talentoso Ripley” colaborou para a história se tornar uma saga, composta por mais quatro romances posteriores. São eles: “Ripley Subterrâneo” (1970), “O Jogo de Ripley” (1974), “O Garoto que Seguiu Ripley” (1980) e “Ripley Debaixo D’Água”, último título, lançado em 1991, que marca o fim da jornada literária que percorreu as trincheiras da ambiguidade no âmbito da sombria psique humana.

Os cinco livros da série ajudaram a impulsionar toda exegese realizada em torno do romance policial, assim como içou Tom Ripley à condição de um dos mais aclamados assassinos entre os beletristas. Seja isso pelo poder de embevecer diante do amplo conjunto de expertises, a vazão a uma personalidade carregada de inesperadas nuances ou pelo seu sublime poder de manipulação. A grande verdade: o habilidoso Ripley, sem emprestar grande esforço, é capaz de coser uma extensa teia de mentiras e ainda manter intacto seu insofismável carisma. 

O Talentoso Ripley

Patricia Highsmith optou por não determinar o intervalo específico em que a trama decorre. A narrativa explora a trajetória de Tom Ripley, um talentoso jovem que, em dificuldade, ganha a vida aplicando pequenos golpes. A sorte lhe pareceu sorrir quando seu caminho cruza com Herbert Greenleaf. O poderoso empresário o convence a deixar os Estados Unidos rumo à Itália na tentativa de fazer seu filho, Dickie, regressar da Europa para enfim assumir o controle dos negócios da família.

Tom Ripley se revela um personagem intricado e a amizade com Dickie logo adquire contornos herméticos. O protagonista desenvolve uma estranha obsessão, forjada não apenas na afeição não correspondida, a ponto de evoluir para um vertiginoso desejo de se tornar Dickie e assim assumir seu lugar ao mundo.

Diante de eventos dessa espécie, o texto de Highsmith é de uma precisão absoluta, por despertar no leitor uma condição deveras inconveniente. Por mais que trave uma batalha contra o contraditório sentimento, à medida que a narrativa avança, é praticamente impossível permanecer impassível a Ripley. Apesar de seu caráter absolutamente atroz, o leitor torce para que ele desponte e possa debelar todas as adversidades.

Embora não funcione necessariamente como uma justificativa, para o espectador se permitir ser “seduzido” por um homicida impetuoso e calculista, o enredo abre espaço para explorar várias camadas da personalidade de Tom. São abordados diversos elementos relacionados ao passado sombrio do personagem e eles, de alguma maneira, atestam a formação de sua personalidade inconstante.

Mesmo com as reviravoltas surpreendentes, o leitor até se lamenta pelo destino imputado ao astuto sociopata. Afinal, o mentiroso contumaz, no fim, nada mais é do que um pobre escravo. Muito habilidoso, mas ainda assim um vassalo, predestinado refém das próprias mentiras inventadas.

Rafinha Heleno
Enviado por Rafinha Heleno em 15/10/2024
Código do texto: T8173738
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