Por uma literatura significativa
Por uma literatura significativa
Minha experiência com o ensino de Literatura tem me convencido de que não existe, de fato, quem não goste de ler. As pessoas que o alegam, provavelmente, tiveram contato com a literatura de forma infeliz. Em geral, somos sedentos por conhecimento. Necessitamos fantasiar, transcender a linha do banal e adentrar noutras realidades para fugir da frugalidade do viver. Temos predileções por determinados assuntos, mas quando um conteúdo é imposto pela “ditadura” escolar, por vezes num momento em que não temos maturidade suficiente, então a vontade de saber perde o seu sabor.
Depois do que disse Roland Barthes em “A aula”, fica difícil encontrar argumento mais plausível para justificar por que acredito na literatura e por que esta é de suma importância:
“A literatura assume muitos saberes. Num romance como Robinson Crusoé, há um saber histórico, geográfico, social (colonial), técnico, botânico, antropológico (Robinson passa da natureza à cultura). Se, por não sei que excesso de socialismo ou barbárie, todas as nossas disciplinas devessem ser expulsas do ensino, exceto uma, é a disciplina literária que deveria ser salva, pois todas as ciências estão presentes no monumento literário”.
Não é de hoje que a literatura tem sido escolarizada por meio de um sistema em que o aluno é forçado a ler só para fazer uma prova. Nesta, são explorados elementos meramente óbvios, estruturais. O ensino de literatura no Ensino Fundamental, na maioria dos casos, praticamente não existe, sendo reduzido a leituras de textos que objetivam uma mera decodificação de palavras ou atividades de leitura e não de análise literária. Quando muito, para aplicar uma prova com questões superficiais do tipo “quais os personagens principais”? “Em que tempo e lugar se passa a história”? Ainda é possível encontrar tais práticas em livros didáticos.
A poesia é quase sempre descaracterizada: insiste-se em seus aspectos formais – conceito de estrofe, verso, rima – o que é importante, mas não suficiente. É inadequado o uso de poemas para identificar substantivos comuns ou para encontrar palavras com determinado tipo de sílaba; perde-se a interação lúdica, rítmica com os poemas, o que leva as crianças a não ter percepção do poético, afastando-a do gênero textual.
No Ensino Médio, a literatura é confundida pela sua história, pelas escolas e movimentos literários – numa perspectiva linear e pouco associativa. Mas, afinal, para que estudar literatura e como ensinar? Para formar leitores? Até que ponto a leitura de obras literárias contribui para uma construção social?
A primeira concepção para o estudo da literatura é considerar o texto como uma “obra aberta”. Cada texto suscita uma série de apreensões de sentidos. Desconsiderar isso é tangenciar o imaginário do leitor e até frustrá-lo. Não poucas vezes presenciamos docentes limitando o texto às orientações apresentadas por um livro didático. Quando um aluno faz associações distintas, logo é repreendido pelo professor, que não reflete sobre o exposto, tolhendo a interpretação de seu discente.
Literatura não é objetividade. Quando lemos, acionamos uma série de vivências pessoais. É conveniente ensinar os alunos a desenvolver uma leitura subjetiva, porém pautada em elementos do texto para não acarretar numa subjetividade infundada, como um “delírio interpretativo”.
Tendo em vista que a sala de aula é um espaço para promover socialização, a literatura é um elemento funcional para estabelecer confraternização. Sabendo disso, sempre propunha, após a leitura dos livros de literatura (adotados pelo colégio) uma troca de impressões. O professor, ao trabalhar uma obra, pode se orientar pelos “eixos temáticos”.
Primeiramente, buscar mediar as questões abertas para sanar as incompreensões ou dificuldades de leitura, depois levantar hipóteses para se chegar à melhor assimilação da obra.
Incentivar cada aluno a exprimir as suas opiniões sobre o livro em questão é mais produtivo que uma prova escrita. A literatura deve promover essa troca de experiências e sensações. Fazer uma roda de leitura para trocar impressões de leitura, relacionar com outras áreas de conhecimento, vivências, é mais produtivo que elaborar provas. Essas não constituem a única forma de avaliar o estudante.
Infelizmente, não raro encontramos gestões escolares que não se esmeram na difusão sobre a importância da leitura. Para que uma pessoa seja incluída na literatura, é necessário confluências ao seu favor: seus pais e a escola precisam solidificar o imaginário típico da infância para que, parafraseando Paulo Freire, a leitura do mundo não se esgote antes da leitura da palavra.
Leo Barbosa é professor, escritor, poeta e revisor de textos.
(Texto publicado no jornal A União em 4 /10 /2024)