Literatura e conhecimento
Literatura e conhecimento
A arte é um dos meios de que se vale o homem para conhecer a realidade.
Esta última se efetiva na constante relação entre homem e mundo, vale dizer, entre sujeito e objeto, como costumam lembrar os filósofos.
Nesse jogo dialético, o homem busca aceder à interioridade da sua essência, para melhor saber de si e situar-se. E, no seu percurso existencial, tem procurado conhecer a si mesmo, o mundo, a sua relação com os outros, a sua relação com o mundo.
Todo conhecimento se caracteriza como uma representação, como um tornar de novo presente a realidade em que vivemos, para que dela tenhamos uma visão mais clara e profunda, que escapa à nossa percepção imediata. Toda representação, nesse sentido, configura uma interpretação. "O homem é a presença de todas as determinações de uma interpretação. Rejeitá-las seria negar a própria existência. Portanto, o homem é um arranjo existencial definido, articulado, situado. É uma circunstância, dizia Ortega y Gasset", e lembra Arcângelo Buzzi, na sua Introdução ao pensar.
Esse interpretar se clarifica por meio de uma linguagem.
A linguagem converte-se, desse modo, como destaca Eduardo Portella, na "fonte de toda e qualquer realidade; é precisamente a realidade mais livre, a mais aberta". Claro está que a natureza do compromisso entre a literatura e a cidadania reveste-se de traços ideológicos. Mas a reflexão que propicia abre-se ao necessário questionamento. O oxigênio da arte é a liberdade. E isso vale tanto para o escritor como para o leitor.
O texto literário repercute em nós, na condição de leitores ou ouvintes, na medida em que revele traços profundos do nosso psiquismo, coincidentes com o que em nós se abrigue como seres sociais. O artista da palavra, co-partícipe de nossa humanidade, incorpora elementos dessa dimensão que nos são culturalmente comuns. Nosso entendimento do que no texto se comunica passa a ser proporcional ao nosso repertório cultural.
O texto literário como tal pode ser lido, criticamente, no nível de superfície ou de profundidade, considerada a polissemia que o caracteriza, com base em três enfoques: em função de sua relação com aspectos existenciais, destacados processos cognitivos e éticos, e motivações nele configurados; podemos centrar a leitura nas dimensões sociais ou psicossociais que nele se fazem presentes, privilegiadas a relação entre a literatura e o social, a literatura e a história, a literatura e a cultura; podemos nuclearizá-la no diálogo intertextual, que privilegia influências. Alfredo Bosi, em livro de 2006 em que trata das Memórias póstumas de Brás Cubas, aponta tais linhas de abordagem e assinala que destacam respectivamente aspectos expressivos, miméticos e construtivos.
Uma leitura como a que o crítico propõe para a compreensão do olhar machadiano resiste à limitação da perspectiva centrada num determinado perfil do narrador, pautada numa autonomia compacta. Ela exige, como melhor resposta, "uma combinação peculiar de vetores formais, existenciais e miméticos, sem que uma instância monocausal tudo regule e sobredetermine". O crítico defende, desse modo, uma visão múltipla e integradora, que exige uma perspectiva hermenêutica, vale dizer, interpretativa, perspectiva que tem se revelado das mais promissoras nos espaços da crítica literária, o que não invalida outras focalizações, desde que assumidas como setorizadas.
O texto de literatura pode ainda ser considerado como pretexto para a compreensão da língua, seu ponto de partida, procedimento bastante comum na realidade pedagógica brasileira. Costuma também ser associado ao estudo de outras manifestações culturais.
Proença Filho, Domício. A linguagem literária. 8ª ed. - São Paulo: Ática, 2007. Páginas 15-17.