A JORNADA DA NARRATIVA
Naquela noite, o fogo crepitava no centro da roda, iluminando os rostos dos homens e mulheres que se juntavam em torno da chama. Suas peles marcadas pelo sol e pelo tempo refletiam as luzes laranja e vermelhas da fogueira. As sombras dançavam nas paredes da caverna, enquanto o mais velho do grupo, com sua voz grave e lenta, começava a contar mais uma história. Alguns diziam que era um conto real, de tempos antigos, de um caçador que enfrentou uma besta feroz. Outros acreditavam que era fruto da imaginação do narrador, mas todos ouviam com atenção, sabendo que aquelas histórias eram a única maneira de preservar o passado, de transmitir ensinamentos e de fortalecer a coesão entre eles.
A origem do texto narrativo remonta a esses momentos em que seres humanos, ainda na pré-história, começaram a contar histórias em torno das fogueiras. O ato de narrar era, em essência, uma necessidade de compartilhar experiências, registrar feitos e explicar o desconhecido. Sem uma linguagem escrita, o conhecimento era passado de geração em geração por meio da oralidade. Histórias sobre deuses, heróis e monstros ganhavam vida e moldavam o entendimento do mundo. Essas narrativas orais eram essenciais para a sobrevivência da comunidade, ensinando técnicas de caça, plantio e até mesmo valores morais.
Com o surgimento da escrita, aproximadamente no terceiro milênio antes de Cristo, em civilizações como a Suméria e o Egito, as narrativas orais começaram a ser registradas em tablitas de argila e papiros. Essas primeiras formas de escrita serviam para registrar acontecimentos históricos, listas comerciais e, eventualmente, mitos e histórias que antes eram transmitidos oralmente. O épico de Gilgamesh, uma das obras literárias mais antigas do mundo, é um exemplo de como o texto narrativo evoluiu de uma tradição oral para uma forma escrita, marcando o início de uma nova era para a preservação das histórias.
Durante a Idade Média, a narrativa continuou a desempenhar um papel crucial. Os trovadores e menestréis viajavam de cidade em cidade, narrando contos heroicos e romances. No entanto, foi também nessa época que surgiram as primeiras narrativas escritas em forma de manuscritos religiosos e épicos, como a *Divina Comédia*, de Dante, e *Os Contos de Canterbury*, de Geoffrey Chaucer. Essas obras foram cruciais para o desenvolvimento da narrativa ocidental, moldando os gêneros literários que seriam explorados pelos séculos seguintes. A escrita medieval, muitas vezes, buscava conciliar as histórias da tradição oral com as novas realidades sociais e políticas que surgiam na Europa.
Com o advento da Revolução Industrial, o acesso à escrita e à leitura tornou-se mais comum, principalmente após a invenção da prensa de Gutenberg. A partir desse momento, o texto narrativo floresceu de maneiras antes inimagináveis. O século XIX, em especial, foi marcado pelo surgimento dos grandes romances. No Brasil, o movimento romântico trouxe os romances indianistas, que buscavam retratar uma identidade nacional, em que figuras indígenas, como em *O Guarani*, de José de Alencar, eram idealizadas como heróis da nação. Essas narrativas exploravam o passado mítico e a natureza exuberante do Brasil, estabelecendo um diálogo entre a imaginação romântica e o contexto social da época.
E assim, a narrativa que começou como histórias ao redor da fogueira evoluiu para os grandes romances que hoje conhecemos. As histórias que, no início, eram apenas contos orais, passaram a ser escritas, preservadas e multiplicadas. O velho da caverna, que outrora contava sobre a caça, agora encontraria seus semelhantes nas páginas dos livros, eternizados nas letras e lembranças. E, mesmo com toda a tecnologia, é em torno da chama – agora digital ou simbólica – que continuamos a nos reunir para contar e ouvir histórias.