Percepção intimista da poesia

O que é a poesia? Esse é um questionamento inquietante. Na minha perspectiva, quando nos inclinamos a defini-la de forma categórica, pecamos, ingenuamente, ao delimitá-la dentro de uma concepção linear. Nesse caso, limitamos a capacidade da poesia de extrapolar as entrelinhas, considerando que ela precede à escrita e que também permeia, de forma não linear, outras artes, vivências e cenários em diversos contextos da vida.

Como disse Manoel Bandeira: “–poesia pode estar nos amores, nos chinelos, nas coisas lógicas e nas disparatadas”. Há, certamente, em todos os objetos (concretos ou não) certa poesia. Há uma relação simbiótica entre a poesia, a existência e seus elementos; uma relação apreciável e intensa. E essa simbiose, de fato, sempre me atraiu de forma fascinante. Sempre vi, senti e vivi poesia em meu cotidiano, nas coisas simples e nas mais complexas. Recordo-me do cheiro da terra tocada pela chuva – para mim, como um ósculo apaixonado. Do bailar encantador do orvalho, enamorado, sobre folhas e flores na manhã fria. No céu noturno – abrigadouro da saudade. Nas aquarelas, versos em cores. Na melodia que faz repousar o caos. Nas casas abandonadas, paredes rabiscadas de história. Nos olhos de um desconhecido, mirantes da alma.

A poesia acontece na soma das acepções subjetivas e experiências sensoriais que atreladas ocasionam uma relação profícua entre emissor e receptor, em que ambos vivenciam sua amplidão de possiblidades que os impulsiona a um despertar de consciência, do qual não se pode fugir. Assim, nisso ou naquilo, no feio ou bonito, no palpável ou no intangível, há poesia. E não é privilégio da Literatura, tão só. É privilégio de tudo que há, aqui e ao redor. Dentro ou fora. E cativa essa arte que alcança todo indivíduo e que excede, por vezes, a razão. Porque a poesia não somente é, ela ocorre no transcender humano e constante em relação a todas as coisas e ao meio. Ocorre no imergir em imagens, emoções, pensamentos e percepções de tudo que norteia o homem em sua jornada existencial.

E não há nada mais poético do que a existência! Para Vladimir Vladimirovitch Maiakovski, poeta soviético, a poesia é “uma viagem ao desconhecido”. E, em meu ponto de vista, existir é isso! Então, como negar a presença material da poesia nos caminhos íngremes do existir? Caminhos que contemplam história, religião, filosofia, sentimentos, ritmos, devaneios, universos inteiros; que contemplam sapiência, ignorância, cores, sabores e sensações; que contemplam o desejo inquietante do saber e o paradoxo entre a beleza da fragilidade e a força subestimada do homem. O que é tudo isso, senão um amalgamado de elementos que compõem a existência? E existir denota descoberta, libertação e evolução. E é isto que a poesia propõe aos dispostos: despir a alma, lançar fora os arrolhos e permitir enxergar a essência de tudo que nos cerca.

“Certamente, há poesia

Dentre arranjos líricos, às vezes, desarranjos

Nos espasmos de loucura e sanidade

No amor e seus exageros

Na devoção e doçura

No criador e seu esmero

No enleado das percepções intimistas

Da mais profunda existência

No sentir dentre os sentidos já sabidos

No extrapolar das linhas que rumam o desconhecido

No constante revirar-se ao avesso

Na pura ânsia de um verso

O que é a poesia, senão um acontecimento?

Um fascinante eclodir de um singular universo”.

Acarla
Enviado por Acarla em 09/08/2024
Código do texto: T8125226
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