A FORÇA DA POESIA NA OBRA DE JOSÉ LINS DO REGO
Este estudo ratifica a força da poesia na obra de José Lins do Rego. O seu objetivo é lançar luz sobre a extraordinária capacidade de José Lins em compor verdadeiros poemas em prosa para evocar a atmosfera, os sentimentos e as imagens do Nordeste brasileiro.
É imprescindível que os estudiosos da obra zeliniana se debrucem cada vez mais sobre este tema, pois a força da poesia de José Lins do Rego ainda é uma matéria pouco estudada no meio acadêmico, o que não faz jus à riqueza de sua técnica criativa, que é reconhecidamente uma das razões pelas quais o levou ser amplamente reconhecido como um dos romancistas regionalistas mais prestigiados da literatura brasileira.
Artífice de verdadeiros poemas em prosa, José Lins do Rego poderia muito bem, sem nenhum demérito, ser chamado de poeta, pois foi criador de uma vasta produção de textos líricos, impregnados da mais pura poesia, que nada devem aos mais renomados poetas do modernismo brasileiro. Quem pode ler, por exemplo, o trecho do romance Menino de Engenho, que intitulei Fogo na Cana (página 98 desse livro), e não dizer que é um dos poemas mais belos e realistas de nossa literatura?
A realidade é que José Lins do Rego, o eterno menino de engenho, como foi aclamado, soube, com grande desenvoltura, buscar na linguagem figurativa os usos de metáforas, comparações, aliterações e outras figuras de linguagem para criar uma narrativa que é ao mesmo tempo poética e acessível, transformando a linguagem cotidiana em algo extraordinário e belo. Através desses recursos, Zé Lins procurou estimular a imaginação e a reflexão do leitor, permitindo que ele visualizasse e experimentasse o texto de maneira mais profunda, fomentando a capacidade de criar imagens vívidas em sua mente, tornando assim a leitura de sua obra uma experiência muito mais rica, envolvente e prazerosa.
A prosa-poética do autor do monumental Ciclo da Cana de Açúcar é uma característica distintiva de sua escrita e tem um papel essencial em seu legado literário. Sua capacidade de combinar a riqueza da prosa com a beleza da poesia permitiu-lhe criar obras que não apenas contam histórias, mas também evocam emoções, paisagens e culturas de maneira única e memorável. Seus romances regionalistas, com sua prosa-poética, continuam a encantar leitores e ser apreciados pela sua riqueza literária.
Em José Lins do Rego a poesia faz-se presente como em poucos escritores nacionais, permeando grande parte de sua obra, de maneira surpreendente como as cheias do rio Paraíba, que ninguém mais do que ele soube narrar em nossa literatura, descrevendo sua força recriadora de cenários, modificando a paisagem seca do Nordeste brasileiro em mata ciliar florida, verdejantes pastos, e um mar de lavoura de cana de açúcar, que se estendia viçosamente, dançando ao vento, embandeirado pela umidade das várzeas. Mas a poesia na obra do autor de Usina não é apenas um mero recurso estético, utilizado para o embelezamento do texto literário, mas uma ferramenta indispensável para ênfase de seu realismo lírico, destacando-lhe, não apenas como um proeminente escritor regionalista da geração de 30, mas como um dos maiores prosadores da literatura em língua portuguesa.
O escritor e jornalista Antonio Carlos Villaça, concluiu que José Lins do Rego foi “o escritor de linguagem mais saborosa, colorida e nacional que nunca tivemos”. Além de sua prosa revelar também uma protuberante força poética, ornada de um impactante realismo lírico, recurso que, a meu ver, foi determinante para torná-lo um dos grandes escritores do moderno romance brasileiro.
Já o escritor paraibano José Américo de Almeida, na crônica O contador de histórias, escreveu que a aparição de José Lins como escritor foi acontecimento: “Menino de Engenho era uma estreia que já tinha uma segurança de mestre. Mais poema de que romance, revelava, entretanto, além da pintura fiel, do quadro autêntico ornado de poesia das coisas, as qualidades de um animador de ambientes e criador de tipos.”
O poeta e ensaísta carioca Cassiano Ricardo, em seu estudo “A poesia na técnica do romance”, referiu-se ao escritor José Lins do Rego, com os seus admiráveis romances cíclicos, “como decorrência de uma época que utiliza o poético em seu método de exploração de uma realidade social”.
O comprometimento de Lins do Rego em cultivar a poesia na confecção de sua prosa foi, certamente, encarado por ele como uma missão de vida, a serviço da própria vida, conforme asseverou o poeta e romancista Ledo Ivo: “Para Lins do Rego, a missão da poesia é ser uma arte a serviço do homem e da vida. Ao considerar Manuel Bandeira, seu poeta brasileiro preferido, "um mestre da vida, no grande sentido da expressão’’, o autor de Gordos e Magros mostra ser uma lição humana o que ele procura, preferentemente, nos livros de poemas. E a poesia, como o sol de um sistema literário, é a base de sua concepção criadora.” Ledo Ivo ainda escreveu que José Lins “em seu último artigo, ditado quando o grande criador já estava diante da morte e a enfrentava, a essa inimiga desde a infância, com um a nobreza e coragem extraordinárias, ele falou “ naquilo que é o mais importante do homem, que é a sua elaboração poética”.
O ex-presidente da Academia Brasileira de Letras, Austregésilo de Athayde, em Sóis um tema literário e humano bastante complexo, sobre Zé Lins, escreveu: “fora temerário, ainda agora, acreditar que está tudo dito. Os escritores da vossa qualidade não cessam o fluxo das transmutações do quotidiano em matéria perene, graças ao toque da poesia que é neles um dom congênito.” E no mesmo artigo ainda confirmou sobre o escritor paraibano: “Assim recende das vossas páginas a eterna poesia que uma vez definistes como sendo “a que se finca na terra e se alimenta de nossa própria carne e de nosso próprio sangue”.
É fato notório e indiscutível que através de sua prosa-poética, José Lins do Rego construiu um dos painéis mais fulgurantes de nossa literatura, ornando-a com seu realismo lírico, inclusive aferindo fortes denuncias sociais contra a ganância dos senhores de engenho e dos usineiros, contrastando a beleza da paisagem nordestina com a dura realidade da vida rural, criando assim uma tensão literária expressiva, que contribui grandemente para a riqueza e a profundidade da história, acentuando a compreensão dos problemas sociais, da cultura, dos costumes e dos valores do Nordeste do Brasil.
Não tenho nenhuma dúvida que José Lins tinha plena consciência que a vida era carente de poesia e que a poesia é o principal alimento das emoções do poeta (como o próprio afirmou). “Que a poesia tem o poder de transformar a descrição de uma sena comum em extraordinária”. Tanto que em seu discurso de posse na ABL, ele afirmou que “o ritmo da vida carece do ritmo da Poesia como de alimento. As vitaminas e os sais minerais que fazem do homem animal uma potência estão encerradas nos frutos, nas folhas e na terra como num verso de Manuel Bandeira. A Poesia é, neste sentido, um precipitado químico capaz de mover as montanhas. Contra o acadêmico das academias convencionais, a vitalidade que brota da Poesia, sal da terra, a agir sobre as coisas inanimadas como se fosse vara de condão.”
O fato é que o consagrado escritor paraibano, orgulho das letras nacionais, soube enriquecer sua prosa com a mais pura poesia, como que a impregnasse com o cheiro das flores do campo, da terra molhada pelas primeiras chuvas, das frutas maduras dos pomares da várzea do rio Paraíba, e da fumaça do caldo de cana, fervendo nos tachos, que procurava rumo, espalhando-se mundo afora.
Pude identificar ainda que a força da poesia de José Lins do Rego permeou todos os seus romances, todos os seus escritos, todos os seus pensamentos. Havia dentro dele, na sua formação literária, uma paixão perene pela poesia, o que lhe fez, não apenas ser um leitor voraz desse estilo de linguagem, mas um cultivador desta arte, levando-a para seu labor diário, de literato da cabeça aos pés, de fabuloso contador de histórias, um dos maiores expoentes do romance regionalista brasileiro.
Diante do exposto, tomei a liberdade de organizar, sob a estrutura de versos livres, vários textos poéticos de nosso fabuloso Zé Lins, que, não raros, desabrocham de suas obras como flores do campo, molhadas pelo orvalho da noite e aquecidas pelo sol da manhã, tornando a paisagem nordestina mais deslumbrante, como as águas do Paraíba a nos surpreender com a força de suas enchentes (e também com a calmaria de sua bondade), margeando os rebentos de sua criatividade, que atravessam constantemente a imensidão de suas páginas, cheias de nostalgia, de aventuras, de denúncias, de encanto e de beleza.
Convido aos admiradores da obra de José Lins do Rego para um mergulho no rio caudaloso de sua poesia, através da leitura de corolário de trechos poéticos, que tive o imensurável prazer de organizar, que denominei Poemas Zelinianos, e que se encontra disponível, no formato e-book ou impresso, no site do Clube de Autores, neste link: https://clubedeautores.com.br/livro/poemas-zelinianos
Mas confesso que, apesar de meu esforço, o que fiz foi apenas um resumo da formidável exuberância poética do autor de Fogo Morto, que cuja obra, como soca de cana que se renova pelo tempo, ainda tem muitas safras a serem colhidas.
*Antonio Costta
(E-mail: antoniodacostta@gmail.com)
*Poeta, escritor e artista plástico paraibano.
Graduado em Letras e em Ciências Contábeis