A MÉTRICA DOS LIVROS

A MÉTRICA DOS LIVROS

Perguntaram-me qual é a minha métrica para escolher livros. Fiquei pensativo, porque nunca parei, de fato, para “medir” as escolhas que faço no âmbito da minha bibliomania. Mania se mede? Reflito, então, que os livros mais marcantes foram justamente aqueles que me escolheram e não os escolhidos. Na nossa vida de leitores, há livros que são imprescindíveis, dado que são clássicos, essenciais para a formação acadêmica, de professores a advogados, passando por psicólogos, médicos. As leituras indicadas e as obrigatórias podem também fazer parte das obras memoráveis – pelo prazer ou pela dor que nos causaram.

Dor? Sim, aquele peso da obrigatoriedade para fazer uma prova, uma seleção. Porém, nos amadurecem, nos disciplinam. Seria muito infantil pensar que só realizamos as leituras que elegemos. Quanto ao prazer, já me vi adiando-o. Ocorre que tal qual a personagem do conto “Felicidade Clandestina”, de Clarice Lispector, por vezes finjo que o livro não está ali para depois ter a surpresa de encontrá-lo. Leio algumas páginas, fico em êxtase e, antegozando, largo o livro para que deleite seja estendido. E não precisa ser uma obra literária. Já senti isso lendo livros de história do Brasil e até livros de linguística. É que o autor quando bem escreve é capaz de seduzir independentemente do assunto.

Independentemente do assunto? Calma, não é bem por aí... Bem, se você, leitor, estiver disposto a encarar o tema em pauta. Há quem não suporte o desconforto de ideias que vão de encontro às suas e viva no conforto das ideias que vão ao encontro, beijam-se, enamoram-se e dormem de conchinha, como se nunca fossem se largar. Mas, o mundo não é tão romântico assim, então ser tão teimoso e encasquetado em autores e temas pode representar uma alienação tamanha que o bitolado pode se sentir um estrangeiro aqui e em todo lugar. Será que é tão especial assim? Ou alguém que só deseja ver uma reta e tentar endireitar a curva?

Isso tem a ver com o fato de que eu não meço a escolha dos livros, porque eu só saberei propriamente qual é o seu tamanho após lê-los. E é preciso reconhecer que isso é subjetivo. Sejamos humildes. O livro é chato ou eu não estou preparado para ele? O livro é difícil ou eu não tenho (ainda) maturidade para essa leitura? Para alguns, Harry Potter, por exemplo, pode ter um o tamanho de uma pirâmide em um dado momento da vida e, para outros, representar um banquinho, tanto pela quantidade quanto pela qualidade literária. Não julgo a leitura do outro, sobretudo a depender de sua idade. Há muita arrogância em quem faz cara de nojo quando se depara com alguém cujas leituras são distintas das suas. Gosta de ler sobre vampiros, bruxos, os tons? Tudo bem, apenas não se limite a isso.

Se ser culto não é necessariamente ser inteligente, podemos mesmo falar dos livros que não lemos, como se evidencia na obra de Pierre Bayard (será que o li?). Que leitor voraz não se sente angustiado pelos livros que não leu? Todos nós sabemos que há mais obras que gostaríamos de ter lido do que tempo disponível. Se fôssemos selecionar as obras mais significativas do Brasil (literárias ou não) desde o século XIX até a contemporaneidade já seria o suficiente para ocuparmos uma vida inteira de leituras. Então, se pensarmos nos outros países do Ocidente e do Oriente...

Umberto Eco era detentor de uma das maiores bibliotecas particulares, mais de 50 mil obras. A pergunta recorrente era se ele já havia lido tudo. Somente uma pessoa que não entende a paixão por livros faria esse tipo de pergunta. Eu mesmo, com a minha modesta biblioteca, já fui indagado várias vezes. Não, não li, embora pretenda, mas ler não é o único objetivo, tampouco ter uma parede decorada, como foi a moda durante a Pandemia. Saber que tenho todo esse acervo à minha disposição, que posso consultá-lo a qualquer momento, que posso aleatoriamente puxar um exemplar da estante, surpreender-me ao me deparar com um volume comprado há anos e do qual já não mais me lembrava.

Ah, e livros têm histórias, além das contidas em suas páginas. Os usados foram tocados por outras mãos, nos grifos deixaram minianálises – teóricas e pessoais, que poderiam render sessões de psicanálise. Livros que foram presentes. Livros-presente. Livros e leituras imensuráveis...

Leo Barbosa é professor, poeta, escritor e revisor de textos.

(Texto publicado no jornal A União em 12/06/2024)

Leo Barbosaa
Enviado por Leo Barbosaa em 12/07/2024
Código do texto: T8105187
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2024. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.