A que(m) serve a poesia?, por Lula Miranda                            

 

 

 

 

A que(m) serve a poesia?, por Lula Miranda


    Na semana passada, muitos se embeveceram e celebraram ao verem as chamas que consumiram de modo precoce o "balão" da candidatura da "adorável" Roseana. Num episódio que nos remete àquela bela imagem poética do cancioneiro popular nordestino: "estrelas se dissolvem no breu". Então, deixando um pouco de lado o mau cheiro que emana da podridão intestina da coalizão governista e, por falar em "imagem poética", lembro que, nessa mesma "fatídica" semana, celebrou-se o Dia Nacional da Poesia. Sabiam disso?


    Pois é! Esta data, 14 de março, dia do nascimento do grande poeta Castro Alves, ficou estabelecida como Dia da Poesia. Afinal, para quase tudo há um dia! Então, aproveitando a "efeméride", vou lhes contar um "causo" para conduzi-los a uma pequena reflexão, sugerida no título desse texto.


    Uma jovem amiga, professora de literatura numa escola da rede pública, relatou-me um episódio ocorrido em uma das suas salas de aula. Ela havia colocado a seguinte questão para seus alunos: para que serve a poesia? Questão posta, os alunos começaram a refletir, buscando em algum lugar do seu sofrido cotidiano de meninos pobres um lugar para a poesia. Quando a própria professora apressou-se em responder, num tom imperioso e com um certo cinismo galhofeiro, para assombro da classe: "a poesia não serve para nada!". Mas uma das alunas já havia arriscado um singelo palpite: "a poesia não serve pra brincar com as palavras, “fessora”?".


    A jovem professora, recém saída da universidade e ainda com a cabeça tomada pelos ensinamentos dos mais diversos teóricos, se defrontava com a dura realidade de ensinar literatura a crianças pobres da periferia. Gostaria de utilizar esse episódio não para julgar se a atitude da professora foi acertada ou não, nem tampouco avaliar sua didática, mas sim utilizá-lo, como já disse, como ponto de partida para a discussão dessa questão muito cara a professores, teóricos de literatura e aos amantes da poesia: a que(m) serve a poesia?


    Muitos teóricos já se apressaram em dizer que a poesia não serve para nada e para ninguém, exceto para os poetas - como poderia se depreender do desabafo irreverente da jovem professora. Não serve para nada, no sentido de não ter nenhuma utilidade prática, no sentido de não ser uma ação que busque um resultado específico ou imediato. Mas seria correto atribuir-se a uma manifestação artística, a uma manifestação da cultura e do espírito humano uma função utilitária?


    Aparelhos e ferramentas muito caros à classe média, tais com bips, celulares, LDs, MDs, DVDs, microondas, facas Guinso e outros, são muito usados e sua utilidade nem sempre é questionada. Será que todos que usam esses aparelhinhos realmente necessitam deles ou usam por uma imposição da moda, por mero consumismo ou porque, supõe-se, dá status utilizá-los?


    Qual o parâmetro para definir algo como útil? Será que um quadro ou uma escultura servem para alguma coisa? Será que a música, um belo conto ou romance servem para algo? As coisas da arte devem servir ao espírito. Existem também, pois, para a fruição gozosa de prazeres estéticos e não para servir a algum patrão.


    Servem para despertar o homem para o que está oculto, para o que está além do mundo das aparências. Envolvidas pelas sombras e pela pressa do mundo moderno, as pessoas inutilmente tentam dar um valor utilitário às coisas do espírito. Mas certas coisas transcendem ao utilitarismo comezinho.


    Essa questão me faz lembrar o saudoso Mario Faustino, que já nos ensinava – remetendo-nos ao poeta Ezra Pound – no final da década de 50, na sua coluna de página inteira no Jornal do Brasil, que a poesia deve educar, deleitar e comover. Então, parece me claro que a poesia, até sob a ótica utilitarista, nos serve.


    A poesia serve para educar a alma humana. Para que as pessoas possam aprender a pensar no que é transcendente; para que elas possam aprender a enxergar além das sombras e em todos os sentidos. A poesia nos ensina um tipo de raciocínio que nos permite apreender uma realidade multifacetada; nos dá o poder de ver além das aparências – à semelhança dos bruxos, como nos ensinava o velho índio Don Juan, o mentor de Carlos Castañeda, antropólogo muito querido pela intelectualidade jovem dos anos 70.


    Também, como bem lembrou a só aparentemente ingênua aluna da nossa história, a poesia serve para brincar com as palavras. Ou seja, a poesia nos ensina a trabalhar a linguagem e a língua. E todos sabemos que a linguagem e a língua são importantes instrumentos de poder desde os mais remotos tempos.


    Então, acho conveniente – e a poesia nos ensina isso – mantermos uma certa cautela diante de sentenças aparentemente definitivas, mas vazias de conteúdo, como a proferida pela professora a seus alunos. É preciso que tomemos cuidado também com esses teóricos que alardeiam frases bombásticas buscando os holofotes da mídia numa calculada tentativa de saírem da sombra modorrenta das academias.


    Afinal, a poesia a tudo serve. Resta, a nós todos, ensinarmos aos homens a melhor compreendê-la e amá-la. Quem sabe assim retomaremos algum dia nosso caminho rumo à construção de um mundo melhor?


    Quem sabe com um pouco mais de arroz e feijão no prato de todos os brasileiros possamos vivenciar uma realidade mais "poética"? O homem tem fome de palavra e pão.

 

 

Fonte: Agência Carta Maior

 

Dia 14 de março – Dia da Poesia

(Artigo anterior a 2015, quando foi apresentado o projeto de lei que determinou o 31 de outubro (em homenagem ao centro-sulista Poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade) como novo Dia (Nacional (brasileiro)) da Poesia, substituindo a tradicional data (não oficial) de 14 de março, em homenagem ao nascimento do Poeta nordestino, o baiano Castro Alves.)

 


    

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Poeta Carlos Marques, Consciência.Net, Agência Carta Maior e Lula Miranda (Autor)
Enviado por Poeta Carlos Marques em 28/05/2024
Reeditado em 28/05/2024
Código do texto: T8073105
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