O escritor e suas continuidades
O escritor e suas continuidades
Por que você escreve? Há quem faça para não ser esquecido, para “desabafar” (catarse), pela vaidade de ser lido, por amor. Vivo esse ofício por tudo isso. Não me importo serei entendido ou aplaudido – quero suscitar sensações.
Não há escritores que se comparem a nenhum. Cada qual exerce distintamente a escrita: racional, emotivo, marginal, intelectual, intuitivo, histórico, social. Isso porque as referências, vivências são diversas e, por vezes, divergentes, revelando o quão saudável e democrático é – ou deveria ser – o exercício da literatura, que aqui é colocada em sentido amplo, não se limitando apenas aos textos estritamente literários.
Também não faço questão de parecer com determinados autores. Se na medida do possível eu não for autêntico, estarei enganando a mim, aos leitores, bem como trilhando caminhos já percorridos. Por mais que esse discurso soe ilusório, desejo, à proporção que escrevo, trazer algo que seja relevante, ainda que não seja novo. Afinal, se outras pessoas não tiveram acesso à informação fornecida por escritor mais habilitado, que elas possam ter essa oportunidade quando se deparar por algo elaborado por mim.
Nesse momento a figura do professor vem à tona, por necessitar da escrita para fins didáticos, como exercício de fixação do conhecimento apreendido e pelo desejo de compartilhar o saber.
As entrelinhas são fios da minha trama. As frases são fases. As orações, oração.
Os mais ingênuos teimam em achar que o escritor vivenciou tudo aquilo que produziu. Ao falar sobre drogas, não quer dizer que delas faça uso. Se trata de depressão, não indica que seja depressivo – não é preciso levar uma martelada no dedo para dizer que dói.
Encanta-me essa cumplicidade tríplice: leitor, texto, autor – íntimos. Onde estou agora? Na sua cama? No sofá? Na rede? Pouco importa. O melhor é perceber que, ao ler, nos relemos. Aí a leitura de si dialoga com a interpretação do mundo.
Lembro: toda palavra é risco. Nunca se sabe como será recebida. Mário Quintana disse sobre o ato de escrever, em especial poesia: “A gente pensa uma coisa, acaba escrevendo outra, e o leitor entende uma terceira coisa... e, enquanto se passa tudo isso, a coisa propriamente dita começa a desconfiar que não foi propriamente dita”.
Amo as palavras, por serem imensuráveis. Gosto das que têm um poder ressuscitador e redentor. Todos sabemos o quão importante é uma declaração que seja condizente com a emoção do momento. É tomar ciência de que a dor que dói em mim dói também no outro.
As palavras imperam, duvidam e interrogam. Mais importante do que rabiscar a vida é passar a limpo tudo o que já foi anotado em cada um de nós, para que assim possamos continuar. O escritor e suas continuidades – antes, durante, depois.