À Espera de um milagre
“O tempo cuida de tudo, o tempo carrega tudo e no fim tudo que existe é a escuridão.”
“À Espera de um Milagre” parecia reunir todos os elementos básicos para ser um livro sublime. Exatamente isso atestava todo meu receio em encarar a trama, lançada em 1996, com o enredo tendendo mais para o drama. O medo, primeiro, estava atrelado a Stephen King. Embora, inquestionavelmente, um notável autor, sua então bibliografia não era necessariamente marcada por incursões nesse gênero. Também temia pela dificuldade (devo admitir) da narrativa não atender minhas expectativas e assim se faria necessário admitir: o sucesso do filme homônimo, lançado três anos depois, seria mais decorrente do insofismável talento do cineasta Frank Darabont, do que propriamente da obra inspiradora.
Após procrastinar por tanto tempo, era chegada a hora de vestir meu melhor uniforme listrado e me deixar levar para uma temporada na Penitenciária Cold Moutain. Durante as noites, sem me deixar notar, escapuliria da cela fria para marchar pelo Corredor Verde (corredor da morte), e se tivesse coragem, até me poria a ler aconchegado na “Fagulha”, como costumavam chamar a horrífica cadeira elétrica.
“À Espera de um Milagre” se mostrou uma leitura estonteante e ainda assim se faz necessário exaltar o talento de Frank Darabont. O cineasta, cinco anos antes de lançar sua versão do romance, havia entregado grande trabalho em “Um Sonho de Liberdade”. Uma vez mais se dividindo entre roteiro e direção, lançou o emblemático filme protagonizado por Tom Hanks, que conseguiu ser igualmente (ou quase) tão incrível e transcendente quanto o livro.
Sobre a trama, Cold Moutain é um presídio assombrado por erráticas almas de homicidas e estupradores que em seus últimos dias estiveram custodiados na unidade, em contagem regressiva para o momento em que fariam a última caminhada pelo Corredor Verde para encontrar a morte, recebendo uma descarga elétrica ao serem acomodados na Fagulha. Esse setor da unidade prisional é chefiado pelo guarda penitenciário Paul Edgecombe, que passa construir uma peculiar história com o carismático John Coffey, um homenzarrão de semblante bondoso, sentenciado à morte após ser considerado culpado pelo assassinato de duas garotinhas, consumado com requintes de crueldade.
A maneira como a história é construída, uma narrativa fragmentada e sem respeitar a cronologia, nesse caso não apenas funciona bem, como acaba tornando a experiência mais aprazível. Os eventos são narrados por uma nova versão de Paul Edgecombe, um idoso que assim como seus antigos detentos, agora aguarda a chegada da morte em um asilo. A obra se desenrola em dois planos distintos, com a linearidade não sendo preservada enquanto os eventos em Cold Moutain são rememorados.
O protagonista ainda se vê entrelaçado a um conflito de cunho moral que acaba afetando a sua vida. Ele faz tudo ao seu alcance para um condenado alcançar o livramento, isso por acreditar piamente em sua inocência. No entanto, ás vezes as situações adquirem uma conotação indelével, ficando além da capacidade das pessoas. Sem escolha, Edgecombe pode ser obrigado a exercer seu papel mesmo diante da certeza de estar cometendo um erro irreparável.
“À Espera de um Milagre” não tem as situações conflituosas como único atrativo. A precisão textual mostra sua eficácia ao exibir poder de levar o leitor a se sensibilizar com alguns detentos homicidas, dando assim vazão à possibilidade de redenção no âmbito de uma vida desperdiçada por atos covardes, altamente banais e impetuosos.
A jornada por Cold Moutain configura uma experiência imponderável, de alta singularidade, e um tanto inimitável, consequentemente tornando a narrativa uma obra egrégia dentro da bibliografia assinada pelo autor. Para visitar a última morada de detentos estouvados, a única exigência é se munir de um punhado de imaginação. Afinal, diante de um experimento tão amargo, sem um pouco de fantasia só lhe restará permanecer à espera de um (pequeno) milagre.