A Tram@
Suspense sombrio escrutina a intricada relação entre escritores e a escrita
Vida de escritor não é fácil. Escrever quem sabe até possa parecer simples sob a ótica do ceticismo, mas desponta como uma laboração desafiadora para os artífices das palavras, reclamando pelo aperfeiçoamento sucessivo, a incessante reinvenção da verve, com dedicação exacerbada para expandir a trama. Uma vez penejada, a obra pode proporcionar tudo ao autor, desde conquistas inefáveis a, simplesmente, nada. E uma vez que se dialogue com o almejado sucesso, a partir daí os problemas são acentuados, é a “famosa” responsabilidade, tornando a jornada mais fatigante. Portanto, algum literato permaneceria impassível diante da provável melhor história que poderia escrever? Não, presumivelmente, só que: e se o tal enredo não tiver sido vicejado pela própria mente?
“A trama”, assinado pela autora norte-americana Jean Hanff Korelirz, é um dos livros que melhor aborda a intrínseca relação forjada entre escritores e a atividade de esboçar uma narrativa. Esse encadeamento é erigido por meio de uma história apinhada de conflitos inerentes, carregada de uma ironia ingente, deliciosa, também repleta de sarcasmo e com um vislumbre um tantinho pessimista.
Nas primeiras páginas, a trama começa a ser tecida com o frustrado Jacob Finch Bonner. Carregando sobre as costas o peso de fracassos literários, o escritor precisa lidar com a falta de inspiração e utiliza suas habilidades literárias para ministrar aulas a pretensos escritores. Durante o curso de escrita criativa, seu caminho cruza com Evan Parker, que compartilha com Jacob um notável enredo que, sem chance de erro, seria sucesso garantido de críticas, esbanjando poder suficiente para impulsionar uma carreira no competitivo mercado editorial.
Anos se passaram e após descobrir que o antigo aluno faleceu prematuramente, não chegando a publicar a história, Jacob não hesita em se apoderar do enredo, ainda fresco em sua mente. Tudo que almejava, enfim, tornou-se concreto: o livro foi publicado, pululou até se tornar um best-seller, além de não receber reações acutilantes por parte dos leitores ou diatribes assinadas pelos exigentes críticos. Mesmo assim, o passado insiste em bater a porta. A nódoa ameaçadora surge anonimamente, através de sucessivas acusações de ter afanado a história.
Sem recorrer muito ao arcabouço de uma obra com característica mais comercial, “A trama” se desenrola paralelo a um suspense escalonado, visceral, envolvente a despeito da previsibilidade que acaba suscitando. A narrativa pode parecer apática no início, mas gradativamente o motor a impulsioná-la sofre um processo de combustão mais célere, ganhando fôlego, ronronando forte até embalar por completo. Ainda assim, perante alguns leitores, a história pode parecer tomada por certa prolixidade, com a fluidez sendo conspurcada por baralhadas passagens que ocorrem durante seu desenrolar.
Em contrapartida, caso o leitor não esteja tão familiarizado com enredos carregados de reviravoltas, a história poderá se revelar mais descortinadora. O livro escrito por Jean Korelirz possui variado número de apelos, importantes nuances, mas o principal atrativo talvez habite a maneira fulcral como explora a ambígua relação entre escritores e sua sorumbática escrita.