O LIVRO DE PÃ

 

 

Na mitologia grega Pã é o deus dos pastores. Ele preside a imaginação que precede os estados psicológicos que nos provoca o desequilíbrio mental que designamos pelas palavras medo, pavor etc. Por isso, a palavra pânico designa um estado interior de sensibilidade que nos leva a imaginações macabras, mórbidas e assustadoras, que muitas vezes conduzem a atos extremos e desesperados.

Na historiografia mitológica dos gregos o deus Pan é referido como um dos filhos de Zeus com sua ama de leite, a cabra Amalteia. Por isso sua aparência sempre é pintada como sendo meio humana e meio caprina. Seu grande amor é Selene, personificada pela Lua, razão pela qual suas aparições sempre estão conectadas com o espectro lunar.

Seu aspecto caprino levou alguns setores da Igreja cristã a  associar sua figura ao diabo, o que, por inferência, também fazem dele um símbolo do mal. Essa interpretação, ao nosso ver, é decorrente da ignorância com que a Igreja medieval tratou os temas do chamado paganismo herdado das civilizações anteriores ao cristianismo. O desconhecimento do verdadeiro significado dessas tradições levou os líderes da nova religião a tratar como demoníacas todas as manifestações do inconsciente coletivo da humanidade que não estivessem de acordo com os postulados da sua fé.

 

Pã, na verdade, é um símbolo do descalabro que toma conta da nossa mente quando ela se vê frente a frente com fenômenos que não consegue entender, e por inferência, lhe causa temor. A palavra pânico, por definição, é um estado psicológico provocado por um desequilíbrio que se instaura em nossa mente sem que tenhamos um motivo lógico para isso. Pelo menos não conscientemente.  

Por isso, na mitologia grega, o Deus Pã sempre aparece associado às florestas e à lua, dois componentes que naturalmente nos inspiram estados psicológicos alterados que podem nos levar a perder o contato com a realidade que norteia a nossa mente lógica.

Na tradição mitológica grega, as pessoas que adentravam as florestas podiam ser tomadas pelo pânico e pela loucura. Se, concomitantemente, fosse noite de lua cheia, então esses estados alterados de consciência se manifestavam com mais força ainda. O indivíduo era então dominado pelo pânico, o que quer dizer, possuído pelo Deus Pã.

 

Na moderna psicologia, a floresta é vista como um símbolo do nosso inconsciente, onde se pode encontrar grandes tesouros, mas também criaturas assustadoras e  malévolas. Por isso, quando adentramos o mundo da nossa fauna inconsciente corremos sempre o perigo de aflorar o pânico diante de nossos aspectos instintivos reprimidos, os quais não conseguimos entender nem logicizar. Isso pode causar uma loucura momentânea que só desaparece quando a mente consciente retoma o controle da situação.

Por isso Pã é representado com a metade do corpo para baixo como bode, simbolizando o aspecto animal da natureza humana e o seu lado que é puro instinto. Aqui ele simboliza os excessos, os desejos irrefreáveis e incontroláveis que constituem nossa natureza animal.

Pã sempre aparece tocando uma flauta de pastor. A associação desse deus com a música é uma clara inferência da influência que os sons exercem sobre os nossos estados psicológicos. A música atrai, fascina, relaxa, amortece as nossas defesas neurais, tornando a nossa mente propícia para o mergulho no inconsciente.

Modernamente Pã já não é visto com suas tinturas medievais, ou seja, como um símbolo de manifestações demoníacas. Ele é, na verdade, um retrato da nossa inconsciência, que precisa ser visto com critério analítico e não com medo. A repressão, pura e simples dos aspectos monstruosos da nossa fauna neurológica, ao invés de trazer equilíbrio para a nossa mente só dá mais força ao seu instinto destrutivo.

O presente livro é feito de histórias e crônicas sobre personagens reais e fictícios que ganharam lugar no imaginário popular por conta das suas extraordinárias aparições, ou manifestações, na história das tradições mais bizarras que podem ser associadas ao deus Pã. Alguns desses personagens são reais. A História registrou seus feitos e suas vidas. Outros são apenas retratos dos nossos desejos e temores, que o inconciente segrega e só incidentalmente, por força de algum acontecimento fortuito, afloram em nossos sentidos. O que lhes garante lugar nesta coletânea é o caráter lendário e sobrenatural que lhes foi atribuído e que, quando invocados, despertam em nós esse estado de desequilíbrio que os gregos representavam através desse estranho e incompreendido deus.

Por isso o sub título que lhe demos: A Cronologia do Medo.

 

 

 

Livro de contos no prelo para publicação