A IDEALIZAÇÃO DA NATUREZA, EM GONÇALVES DIAS.
Neste, procuro mostrar a idealização da natureza, em dois poemas de Gonçalves Dias: “Leito de folhas verdes” e “Canção do Exílio”. Para tanto, utilizarei dados dos artigos “Natureza como elemento de permanência da tradição: uma relação comparativa entre Gonçalves Dias e Ferreira; e Itajubá, de Mayara Costa Pinheiro (UFRN), publicado na Revista do Núcleo Câmara Cascudo de Estudos Norte-Rio-Grandenses/UFRN, n. 4, jul./dez. 2011; Leito de folhas verdes...”, de Salete Valer (UFSC), publicado na Revista Mafuá, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil, n. 8, 2007. ISSNe: 1806-2555.
O poema “LEITO DE FOLHAS VERDES”, do livro Últimos cantos, é composto por versos decassílabos (dez sílabas poéticas), pouco comuns durante o Romantismo, mas condizentes com o caráter narrativo do poema. Nele, o eu lírico é uma índia que espera seu amado, Jatir, para uma noite de amor. Ela está no bosque, onde fez um leito de folhas para estar com seu amante. Porém, ele não chega, e o dia amanhece:
Porque tardas, Jatir, que tanto a custo
Da voz do meu amor move teus passos?
Da noite a viração movendo as folhas,
Já nos cimos do bosque rumoreja.
Eu sob a copa da mangueira altiva
Nosso leito gentil cobri zelosa
Com mimoso tapiz de folhas brandas,
Onde o frouxo luar brinca entre flores.
3
Do tamarindo a flor abriu-se, há pouco,
Já solta o bogari mais doce aroma!
Como prece de amor, como estas preces,
No silêncio da noite o bosque exala. [...]
5
A flor que desabrocha ao romper d’alva
Um só giro do sol, não mais, vegeta:
Eu sou aquela flor que espero ainda
Doce raio do sol que me dê vida. [...]
7
Meus olhos outros olhos nunca viram,
Não sentiram meus lábios outros lábios,
Nem outras mãos, Jatir, que não as tuas
A arazoia na cinta me apertaram.
8
Do tamarindo a flor jaz entreaberta,
Lá solta o bogari mais doce aroma
Também meu coração, como estas flores,
Melhor perfume ao pé da noite exala!
9
Não me escutas, Jatir; nem tardo acodes
À voz do meu amor, que em vão te chama!
Tupã! lá rompe o sol! do leito inútil
A brisa da manhã sacuda as folhas!
Na estrofe três, verso nove “Do tamarindo a flor abriu-se, há pouco”, percebe-se o enaltecimento de elementos naturais: chegou a noite, e nessa hora ainda há a esperança da volta do amado que está longe, cujos passos são movidos pela voz do puro sentimento da amada que ficou em sua casa, na floresta. No decorrer da noite, movimentos do vento e das folhas provocam ruídos nos altos bosques e a amada permanece sob uma alta mangueira, local em que está o leito gentil, o qual cobriu com brandas folhas e que brilha através do luar que transpõe as flores.
A noite avança na floresta e a flora solta seus aromas entre os quais estão os das flores do tamarindo e do bogari. As horas da noite vão passando, a lua brilha, as estrelas brilham, os perfumes das flores noturnas se espalham levados pela brisa, imagem de encantamento propicia para um momento especial. O alvorecer chega e com o giro do sol, as flores do dia começam a desabrochar. Como uma flor que vegeta sem o sol, a amada espera que a energia do sol lhe dê ânimo para continuar a espera.
Na estrofe oito, verso vinte e nove “Do tamarindo a flor jaz entreaberta”, o autor retoma a terceira estrofe e compara o aroma dessa flor, no momento presente, com o aroma da noite anterior. No entanto, tal como o perfume das flores, a esperança da índia se esvai com a chegada do dia.
Na estrofe nove, a imagem do leito nupcial construído, com muito amor. não tem mais valor, passa a ser inútil sem a presença do companheiro, por isso a amada pede à brisa que o desfaça.
Gonçalves Dias, em “Leito de folhas verdes”, confirma a sua idealização da natureza nos versos:
“Já nos cimos do bosque rumoreja”, / “Eu sob a copa da mangueira altiva”, / “Onde o frouxo luar brinca entre flores”, / “Do tamarindo a flor abriu-se, há pouco”, / “Já solta o bogari mais doce aroma”, / “No silêncio da noite o bosque exala”, / “A flor que desabrocha ao romper d’alva”, / “Doce raio do sol que me dê vida”, / “Do tamarindo a flor jaz entreaberta”, / “Lá solta o bogari mais doce aroma”.
O autor, ao longo do poema usa de metáforas ao relacionar o movimento da natureza - da noite para o amanhecer - versos (9) e (10):
(9) Do tamarindo a flor abriu-se, há pouco, / (10) Já solta o bogari mais doce aroma!
Nesses versos, Gonçalves Dias, ao descrever a noite pelo desabrochar das flores noturnas, que exalam um doce perfume, mais uma vez enaltece a natureza brasileira.
“CANÇÃO DO EXÍLIO” é também um poema de idealização da natureza e símbolo de nacionalidade. Nele, o autor afirma que não há lugar melhor do que o seu país e usa “a palmeira e o sabiá” como símbolos nacionais.
A palmeira é das árvore mais altas do litoral e representa a terra majestosa, com árvores suntuosas, fazendo assim um elogio da pátria e servindo de metonímia para a nossa flora. O sabiá também figura no poema de forma elogiosa e como uma metonímia para a fauna brasileira.
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.
Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o sabiá.
Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar, sozinho, à noite
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o sabiá.
Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu’inda aviste as palmeiras,
Onde canta o sabiá.
Em versos das estrofes, um e dois, é evidente a idealização da natureza: “Minha terra tem palmeiras”, “Onde canta o sabiá”, “Nosso céu tem mais estrelas”, “Nossas várzeas têm mais flores”, “Nossos bosques têm mais vida”. Gonçalves Dias louva com exuberância elementos do nosso país. Versos sensoriais e envolventes num processo místico e afetivo.
Os versos “Nossos bosques têm mais vida/ Nossa vida, no teu seio, mais amores” foram inseridos na letra de nosso Hino Nacional.
Neste poema, o cenário brasileiro e a alma de Gonçalves Dias fundem-se diante da beleza da natureza brasileira e de seu amor pela pátria. Essa, além de ser inspiradora, fortalece o seu eu.
Na “Canção do exílio” há a contraposição entre a natureza brasileira que se distingue pela formosura e singularidade, representada pelo advérbio “lá”, exaltada diante à terra do exílio, que é representada pelo “cá”. A oposição entre “cá” e “lá” estabelece uma comparação entre os dois espaços: a terra de Gonçalves Dias “minha terra”, o Brasil, e o “cá”, Portugal, nomes que não são expressos no poema, mas que foram identificados através do período em que o poema foi escrito e pela indicação do seu local de produção “Lisboa (1843)”.
Na segunda estrofe de “Canção do exílio”, o autor usa de estruturas reiterativas para se referir à terra natal, o que a confere superioridade.
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida, mais amores.
Na estrofe acima, o poeta usa de paralelismo e da anáfora do pronome possessivo “nosso (a)”, intensificando a ideia de nacionalismo. A repetição do advérbio “mais”, em todos os versos, conjuntamente com o pronome “nosso” expressam que a natureza brasileira é superior a portuguesa.
Na terceira estrofe, nota-se que o exílio lhe permitiu perceber as peculiaridades da terra deixada para trás: “Em cismar, sozinho, à noite/Mais prazer eu encontro lá".
Na última estrofe do poema, Gonçalves Dias faz um apelo a Deus - retornar à sua terra antes que ele morra - quer desfrutar os primores do Brasil, que são metonimizados pelas palmeiras e pelo canto do sabiá.
Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu’inda aviste as palmeiras,
Onde canta o sabiá.
Ao ler Gonçalves Dias, observa-se que ele coloca emoção e sensorialidade em seus poemas, os quais, com certeza, afloraram de momentos especiais. Neles, também estabelece a dimensão das coisas e das pessoas. Fez de seu acervo solo fértil, onde exibe belíssimos frutos do plantio da arte escrita com muita magnitude e maestria.