A OUTRA FACE DE LOBATO

A OUTRA FACE DE LOBATO

"Sempre que se apresenta uma oportunidade,

aponta vícios, fustiga aleivosias, combate a

maldade". EDGARD CAVALHEIRO, (pag. 50)

in "Vida e Obra de Monteiro Lobato", prefácio

de "URUPÊS", SP, edit. Brasiliense, 1954, vol. 1

Quando se fala em MONTEIRO LOBATO lembramos todos somente do belo "Sítio do Pica-Pau Amarelo", inesquecível até para quem viu as estórias apenas pela TV Globo, sem ter lido uma página sequer. A "fase infantil" de Lobato surgiu por acaso: um amigo lhe contou a história do peixinho que -- por não saber nadar -- morreu... AFOGADO ! O tema não saiu da cabeça do jovem contista enquanto não conseguiu transpô-lo para o papel, nos tempos da pena e do mata-borrão. Talvez já houvessem "canetas-tinteiro"... ah, o leitor nem imagina o que sejam ?! Azar o seu !

Descobrir por esses dias esta nova faceta de M. Lobato me causou imenso espanto: temos pontos em comum, EU E ELE ! Escrever o que imagina lhe é um alívio, quase um bálsamo... também ele protestou contra "a nova Ortografia", a daquela época (1944) e, por fim, resignou-se (por imposição da Editora, ao que parece), publicando obra quase sem acento algum, mesmo quando a palavra o exigia. Fiquei sem entender esse "Urupês" de 1954, data em que seu algoz-mor "despediu-se da Vida"... afinal, a grafia na obra é a OFICIAL ou ele "subverteu" a imposição dos gramáticos da época ?!

"URUPÊS" é de 1918, centenário portanto, com o título significando aqueles "meios cogumelos" (em forma de leques) que nascem dos troncos podres de árvores caídas. São contos muito criativos, eivados de expressões matutas, personagens caipiras, tenho a impressão que Lobato quer superar José de Alencar em "naturalismo" e não poupa em quase todos os contos de "URUPÊS" as expressões e descrições bem caipiras, caboclas na essência, sempre curiosas embora incompreensíveis, se não forem "explicadas" ao pé da página.

"Urupês", que fecha a obra de mesmo nome sequer é CONTO, é crônica irada, libelo mordaz mal comparando o valente Peri imortalizado nos 1850 por Alencar com seu "sósia" de 30 anos depois, o denominado CABOCLO, intocável pelos novos escritores. (*1) O herói dos romances, contos e sonetos não morreu... "EVOLUIU", diz Lobato. "O indianismo está de novo a deitar copa, de nome mudado. Crismou-se de "caboclismo". O cocar de penas de arara passou a chapéu de palha rebatido à testa; a ocara virou rancho de sapé;" (etc, pag. 278). É nesse texto que o Autor cria seu personagem mais polêmico: o "JECA TATU", esse mesmo eternamente ACOCORADO ao lado de sua choça imunda.

"Só ele não fala, não canta, não ri, não ama. Só ele, no meio de tanta vida, não vive" ! Em outros contos da mesma obra lá está esse CABOCLO queimando extensões de mata virgem para fazer "rocinhas" de 15 metros, matando pássaros, derrubando árvores para extrair mel lá na copa delas e deixando apenas terra arrasada quando finalmente parte ou... É TOCADO, "enxotado" dali por fazendeiros prejudicados. Este livro causou imensa celeuma, escreveram-se outros EM DEFESA do tal "Jeca" e só muito tempo depois Lobato justificaria seus exageros e a generalização.

"Sempre quiz o MELHOR para o Brasil... essa foi uma luta de sua vida inteira". Ao acusar -- em carta para Getúlio Vargas -- que as multinacionais americanas queriam o Brasil dependente do petróleo de lá, acabou preso por 90 dias. Sua opinião "denegria o país amigo" ! Lobato vivera por mais de 3 anos nos EUA e vira que sua riqueza vinha do FERRO e do PETRÓLEO. Voltou ao Brasil para fazer o país ter as duas RIQUEZAS... a Cia Siderúrgica Nacional só surgiu em 1954 e M. Lobato faleceu sem ver o "ouro negro" jorrar aqui.

Monteiro Lobato é um contista excelente, aconselho a leitura de outras obras dele... foi um precursor da Imprensa nacional, quando ninguém acreditava que LIVRO VENDE, nem as livrarias da época ! Vendeu 55 MIL exemplares de seu primeiro livro, comprou Editoras, "uniu 2 ou 3 delas" e mostrou ao país que era possível ter seu livro exposto em todas as regiões. Foi um PIONEIRO em todos os campos, um EXEMPLO que ninguém seguiu.

Para encerrar este artigo, nada melhor que o pensamento do escritor -- na visão de seu biógrafo Edgard Cavalheiro (EC) -- e também por suas próprias palavras: (ML)

1 - "...um homem dotado de coragem moral e intelectual raras num escritor que jamais caucionou seu talento a interesses menos nobres ou causas menos puras. A obra de Monteiro Lobato é, sem a menor dúvida, uma obra de combate". (EC, pag. 3)

2 - "O contista convivera com os caboclos das margens do Paraíba, vira-os acocorados, incapazes de ação, tristes e desalentados, espiando a vida com olhar vago e sonâmbulo. "Urupês", no fundo, não passava de uma advertência, trágica, enérgica, desapiedada, mas necessária advertência". (EC)

"Quando comecei a sentir em todo o seu horror a drama da miséria humana (de que o Jeca não passa de humilde ilustração) era tarde -- minha obra literária já se havia cristalizado e morto estava meu interesse pela Letras", anota Lobato. (pag. 20, trechos, ML)

3 - "O mais importante, pelo conteúdo é, sem dúvida, "Idéias do Jeca Tatu". Nele, Lobato se preocupa com a arte nacional, pintura, literatura, criação de um estilo brasileiro, denunciando o esnobismo e a macaquice de nossa elite cultural". (EC, pag. 35)

4 - "Meu plano agora é um só: dar ferro e petróleo ao Brasil"! (ML) "Essa frase é de 1927 ! Daí em diante Lobato travará, quase sozinho, uma luta gigantesca. Luta contra trustes, contra governos, contra falsos patriotas, contra uma Nação inerte e passiva. (pag. 39) Os volumes "FERRO" e "O ESCÂNDALO DO PETRÓLEO" dão uma ligeira idéia da luta empreendida pelo escritor. Foram [quinze] ANOS de atividade febril. Ao regressar do Estados Unidos, Lobato nada possui de seu. É um homem pobre (...). As campanhas pelo ferro e petróleo só lhe traziam prejuízos. Lobato põe-se, então, a traduzir a fim de poder continuar a luta". (EC, pag. 40)

5 - "Somos cada vez mais A MAIOR VERGONHA do Mundo"! (ML, pg. 41) "A prisão apressou a morte de Lobato. Nunca mais foi o mesmo depois que de lá saiu. (...) Fôra preso em março de 1941." (EC, pag 50)

"O que Monteiro Lobato em momento algum admitiu, isto sim, foi o falso, o inócuo, o safado e interesseiro PATRIOTISMO de fachada, de hino nacional gritado da boca pra fora. Seu patriotismo fôra sempre algo consciente". (EC) Já em 1916 ele escrevia: "(...) Ponho sempre a Verdade no topo -- não há verdade possível em nada visto através dos óculos desnaturados de qualquer apaixonamento -- seja patriotismo, nacionalismo, hermismo, civilismo, etc" (ML, pag. 53) Eis aqui LOBATO por inteiro, para desgosto dos "pregadores" do surrado bordão de... "Deus, Pátria e Família" !

"NATO" AZEVEDO (em 14/agosto 2023, 10hs)

OBS: (*1) - eis parte das obras de JOSÉ DE ALENCAR: o romance "O Guarani" foi publicado em 1857; "Iracema" é de 1865 e o romance "Ubirajara" surgiu em 1874. Alencar faleceu em 1877, no Rio.