NO MUNDO DE YR , NÃO HÁ PASSADO , NEM FUTURO...

"O reino de Yr possuía uma espécie de zona neutra chamada o

Quarto Nível. Só por acaso é que se podia alcançá-la. Fórmulas e atos de

vontade eram inúteis. No Quarto Nível não havia emoções para afligi-la, nenhum passado e nenhum futuro contra o qual lutar, nem memória. Perdia-se a posse de si mesmo. Nada, exceto fatos que sobrevinham espontaneamente

quando ela os desejava, despojados de emoção ou sentimento.

Deitada na cama, subiu ao Quarto Nível. O futuro deixou de preocupá-la". ( Pág. 9).

Esta é a história da personagem Déborah, uma adolescente de 16 anos que vivia em mundos imaginários, portadora de esquizofrenia, do livro: "Nunca lhe prometi um jardim de rosas".

Déborah foi internada em um Hospital Psiquiátrico e o livro traz relatos de como a personagem vai se distanciando do mundo, criando um "mundo imaginário" com suas fantasias, até não conseguir conviver mais em família e em sociedade.

A autora traz relatos da vida dessa jovem psicótica, seu tratamento , a convivência difícil com outros pacientes e nos transporta a vivenciar "os mundos" da Déborah, ao mesmo tempo tão conflitantes e instigantes.

O livro mostra como os pais lidam e reagem diante do adoecimento da filha, sentem-se impossibilitados de ajudar, devido aos conflitos carregados de preconceitos.

Durante a leitura acompanhamos todo o seu sofrimento, as suas crises, as recaídas, momentos em que a mesma consegue até interagir com as pessoas , e os momentos das quais ela não consegue conter.

Me chama muito a atenção o tratamento da Psiquiatra que cuida dela, que não foca apenas no diagnóstico e na doença, mas com um " olhar humanizado", tenta resgatar os sonhos, os desejos da Déborah que também têm vida e que é possível acreditar que vai existir um amanhã.

Embarcamos na sua subjetividade, ouvindo relatos de como ela vive seu mundo fragmentado, a sua relação com os pais, sem amigos, sem namorados e tendo que interromper os estudos por conta das crises.

O livro também aborda os fatores que podem ser determinantes para desencadear a doença, como a separação materna, o "tratamento frio" dos cuidadores, o preconceito sofrido na escola por ser judia, podendo até se agravar se há uma pré-disposição genética.

Traz relatos de um avô muito rígido nas regras, o que pode ter desenvolvido na mesma um super ego muito severo. Déborah acabou tendo dificuldade de lidar com as críticas e as frustrações.

Palavras da Dra.Fried que cuida da Déborah:

"Os sintomas não são a doença._Tais sintomas representam defesas, formas dela se proteger. Acreditem ou não, a doença é o único solo firme de que Déborah dispõe. É este solo que estamos trabalhando juntas." (Pg115).

Todo psicótico se refugia nos seus próprios mundos, pois a realidade é muito difícil de ser suportada por eles; esse mundo em paralelo é uma forma de oporem-se a essa realidade tão difícil de viver; visto dessa maneira, a doença, os delírios surgem como "proteção", caso contrário eles não conseguiriam sobreviver.

Penso que temos muito ainda que avançar nas práticas em saúde mental.

A reforma psiquiátrica em 2001, iniciou uma profunda mudança e no modelo até então instituído no tratamento desses pacientes ,tendo como objetivo inseri-los novamente na família e quebrar o estigma e o olhar preconceituoso da sociedade, que de certa forma os segregava.

Esta mudança começa desde o acolhimento e a reintegração plena do paciente, tentando resgatar a sua autonomia, desenvolvendo seus recursos e potencialidades, mas sempre respeitando as suas crises e limitações, sem ser invasivo.

Penso que ajudar é tentar minimizar o sofrimento daqueles que padecem de doença mental, fazendo -os se perceberem como sujeitos de direitos, ajudando-os também a aderirem ao tratamento médico que é de fundamental importância para a melhora dos sintomas e das crises.

Não devemos olhá-los sobre os critérios de uma única perspectiva e somente do ponto de vista patológico; temos que humanizar o atendimento, tratá-los com respeito, dignidade, empatia , diminuir o estigma social, o preconceito que envolve o tratamento para com eles.

É fundamental a comunicação com a equipe médica e a equipe multidisciplinar e principalmente inserir os familiares para a recuperação e a melhora no processo do tratamento desses pacientes.

Os familiares se tornam também codependentes neste processo de recuperação e é muito importante que estes sejam também acolhidos e encontrem o suporte necessário para aprenderem a aceitar e a conviver com as crises dos seus entes queridos.

Através da leitura desse livro a autora Hanna Green nos coloca em contato com a vivência do Hospital Psiquiátrico, a complexa relação dos atendentes com os enfermos e a equipe médica, o universo limítrofe que separa os "sãos" dos "insanos" e até os aspectos punitivos e restauradores são explorados, mesmo sem a promessa de "um Jardim de Rosas".

Do livro:

(Nunca lhe prometi um

jardim de rosas).

Autora: Hannah Green.

"Nas suas viagens Déborah passeava pelas planícies de Yr, imensas extensões de terras nuas, onde os olhos se perdiam no espaço infinito."