Vida e Obra de Clarice Lispector
Texto elaborado para a ABLAM – Academia de Letras e Artes Minimalistas, pelo acadêmico Goulart Gomes, ocupante da cadeira 11, cuja patronesse é Clarice Lispector.
A VIDA
Na literatura brasileira, Clarice Lispector pertence à chamada Geração de 45, que surgiu a partir de trabalhos de poetas que produziam uma literatura oposta às inovações modernistas de 1922. Uma fase de literatura intimista, introspectiva e de traços psicológicos.
A Geração de 45 é diferente dos parnasianos, pois os parnasianos consideravam a arte poética como um trabalho artesanal, enquanto que a Geração de 45 a considerava uma forma de expressão política, de contradições internas do homem e dos problemas sociais. Entre os autores dessa geração se destacam: Guimarães Rosa, João Cabral de Mello Neto, Rubem Braga, Graciliano Ramos e Clarice Lispector.
Clarice Lispector nasceu em 1920, na Ucrânia. Os seus pais, fugindo da perseguição aos judeus durante a Guerra Civil Russa (1918-1921), mudaram-se para o Brasil, em 1922. Clarice chegou com 1 ano e dois meses de idade, morou em Maceió e no Recife. Aos 9 anos perde a sua mãe e aos 15 anos a família muda-se para o Rio de Janeiro. Aos 22 anos, perde também o pai.
Clarice cursou a faculdade de Direito e formou-se em 1943, mesmo ano de seu casamento com um colega de turma, com quem teve dois filhos, um deles diagnosticado na adolescência com esquizofrenia. Em 1959 separa-se do marido. Em 1966, por conta de um cigarro aceso, põe fogo em seu apartamento e quase morre, acidente que lhe deixou com algumas sequelas.
Foi hospitalizada pouco tempo depois da publicação do romance A Hora da Estrela com câncer inoperável no ovário, diagnóstico desconhecido por ela. Faleceu em 9 de dezembro de 1977, um dia antes de seu 57° aniversário.
A OBRA
Clarice Lispector publicou seu primeiro romance Perto do coração selvagem, em dezembro de 1943. Escrito quando tinha 19 anos, o livro apresenta Joana como protagonista, a qual narra sua história em dois planos: a infância e o início da vida adulta.
A Literatura Brasileira era, nesta altura, dominada por uma tendência essencialmente regionalista, com personagens contando as dificuldades da realidade social do país na época. Clarice Lispector surpreendeu a crítica com seu romance, seja pela problemática de caráter existencial, completamente inovadora, seja pelo estilo solto, elíptico e fragmentário. Este estilo de escrita se tornou marca característica da autora, como pode ser observado em seus trabalhos subsequentes.
Quando vieres a me ler perguntarás por que não me restrinjo à pintura e às minhas exposições, já que escrevo tosco e sem ordem. É que agora sinto necessidade de palavras - e é novo pra mim o que escrevo porque minha verdadeira palavra foi até agora intocada. A palavra é a minha quarta dimensão. (Água Viva – 1973)
A obra Laços de Família, lançada em 1960, constitui o ápice da carreira literária de Clarice, além de constar do cânone literário nacional como um dos melhores livros de contos da história da literatura brasileira. Suas treze narrativas enfocam particularmente o universo da vida em família na classe média do Rio de Janeiro.
A obra de Clarice é considerada psicológica ou introspectiva. Suas criaturas, sempre ansiosas para fugir de uma existência padronizada e profundamente atrelada às convenções sociais, embora presas a esta vida que flui inesgotavelmente de uma geração para outra, atingem inesperadamente outra margem do existir, sua esfera enigmática, imprevista, distinta da rotina humana.
Mas existe um grande, o maior obstáculo para eu ir adiante: eu mesma. Tenho sido a maior dificuldade no meu caminho. É com enorme esforço que consigo me sobrepor a mim mesma. [...] Sou um monte intransponível no meu próprio caminho. Mas às vezes por uma palavra tua, ou por uma palavra lida, de repente tudo se esclarece.“
(Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres – 1969)
Já em A hora da estrela, Rodrigo S. M., o narrador, constitui um dos personagens centrais. Ao mesmo tempo em que cria e narra a vida de Macabéa, identifica-se com ela, mesmo quando a agride. Dessa forma, podemos considerar o texto metalinguístico: um autor - narrador que fala de sua própria obra e busca nela e com ela conhecer-se e reconhecer-se.
Segundo a definição do dicionário Aurélio, metalinguagem é: “linguagem utilizada para descrever outra linguagem ou qualquer sistema de significação: todo discurso acerca de uma língua, como as definições dos dicionários, as regras gramaticais, etc”.
Macabéa é alagoana, virgem, ignorante, tem dezenove anos e diz-se "datilógrafa". Veio para o Rio de Janeiro com uma tia que cuidara dela desde os dois anos de idade. Quando a tia morre, Macabéa muda-se para um quarto que divide com quatro moças que trabalhavam nas Lojas Americanas: Maria da Penha, Maria Aparecida, Maria José e Maria.
Quando ela fala com uma das amigas, esta lhe indica uma cartomante: Madama Carlota. A cartomante mente para Macabéa, que sai de lá convencida de que será outra, de que será feliz e de que encontrará seu príncipe. Ao dar um passo para atravessar a rua, ela é atropelada por um carro Mercedes Benz, cuja logomarca é uma estrela.
Para Teresa Montero, biógrafa de Clarice
Viver essa experiência de ser leitor de Clarice é uma aventura no que ela tem de imprevisível, surpreendente, perigoso, ao mesmo tempo é um presente porque quando se está lendo Clarice você se sente especial dentro deste universo criado por ela. Especial porque você consegue se reconhecer como um ser humano cheio de limitações, sujeito às adversidades da vida, ao fracasso, às crises, mas também capaz de trilhar um caminho repleto de descobertas, de sustos, de grandes alegrias, de momentos de êxtase, vertigens, delírios. Ler Clarice é a possibilidade de viver intensamente o que se é.
Mas, quando chamada de intelectual, Clarice Lispector discordava:
Outra coisa que não parece ser entendida pelos outros é quando me chamam de intelectual e eu digo que não sou. De novo, não se trata de modéstia e sim de uma realidade que nem de longe me fere. Ser intelectual é usar sobretudo a inteligência, o que eu não faço: uso é a intuição, o instinto. Ser intelectual é também ter cultura, e eu sou tão má leitora que agora já sem pudor, digo que não tenho mesmo cultura. Nem sequer li as obras importantes da humanidade.
[...] Literata também não sou porque não tornei o fato de escrever livros ‘uma profissão’, nem uma ‘carreira’. Escrevi-os só quando espontaneamente me vieram, e só quando eu realmente quis. Sou uma amadora? O que sou então? Sou uma pessoa que tem um coração que por vezes percebe, sou uma pessoa que pretendeu pôr em palavras um mundo ininteligível e um mundo impalpável. Sobretudo uma pessoa cujo coração bate de alegria levíssima quando consegue em uma frase dizer alguma coisa sobre a vida humana ou animal.
O biógrafo Benjamin Moser sintetiza muito bem quem foi Clarice Lispector:
A escritora francesa Hélène Cixous declarou que Clarice Lispector era o que Kafka teria sido se fosse mulher, ou “se Rilke fosse uma judia brasileira nascida na Ucrânia. Se Rimbaud fosse mãe, se tivesse chegado aos cinquenta. Se Heidegger deixasse de ser alemão.” As tentativas de descrever essa mulher indescritível volta e meia seguem essa linha, recorrendo aos superlativos, embora aqueles que a conheceram, em pessoa ou por seus livros, também insistam que o aspecto mais notável de sua personalidade, sua aura de mistério, escapa toda descrição. “Clarice”, escreveu o poeta Carlos Drummond de Andrade quando ela morreu, “veio de um mistério, partiu para outro”. Seu ar indecifrável fascinava e inquietava todos os que a encontravam.
Encerro este texto com aquela que para mim, é a mais profunda de todas as frases de Clarice Lispector: “Viver ultrapassa todo o entendimento".
REFERÊNCIAS
MOSER, Benjamin. CLARICE,. São Paulo: Cosac e Naify, 2009
http://pt.wikipedia.org/wiki/Clarice_Lispector
http://www.infoescola.com/literatura/geracao-de-45/
http://www.claricelispector.com.br/
http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/sala_de_aula/portugues/redacao/analise_de_texto/figuras_de_linguagem